sexta-feira, novembro 19, 2004

Caminhando e cantando... (Orgulho Louco)

Nilo Neto
Caminhada Crônica

Talvez tenha sido mera coincidência, mas o fato é que essa nossa ilha capital se chamava Vila de Nossa Senhora do Desterro, em seu longo período pré-republicano de existência. Esse nome refere-se à passagem bíblica chamada “Fuga do Egito”, onde nossa senhora escapa da ira do rei Herodes, carregando nos braços o menino Jesus, acompanhada de José.
Desde o começo, nossa cidade teve a vocação de abrigar todo tipo de: degredado, fugido, condenado, herege, bruxa e pirata. Mais modernamente: hippies, esotéricos, alternativos, anarquistas, e toda uma tribo de outsiders vêm aportando nesse nosso pedacinho de terra perdido no mar.
E se esses desterrados, saudosos de suas terras e sonhos, conseguiram criar por aqui um clima de magia, por outro lado, enterraram fundo na alma de nossa gente uma necessidade de resistir à todo tipo de opressão.
Para citar as mais recentes, temos o genocídio praticado na ilha de Anhatomirim, no final da década de 1890, que levou deste mundo os rebelados contra a nova oligarquia republicana, que empurrava garganta abaixo seu domínio, como naquele outro famoso episódio, conhecido por Revolta de Canudos, e que aqui deixou marcas de dor nas famílias que viram seus filhos sendo cruelmente assassinados pelo famigerado Coronel Moreira César.
Este senhor era o preposto do então presidente Floriano Peixoto. Para conter sua trilha de matança das lideranças políticas locais, fieis a monarquia, acabou sendo homenageado com o nome da cidade, Florianópolis.
Menos de um século depois, o episódio da Novembrada, marcou o fim da Ditadura Militar no Brasil, graças a uma fortíssima manifestação popular capaz de dar tapas na cara de Generais e Ministros, em plena praça XV. Naquela ocasião, o presidente Figueiredo descerrou placa homenageando o tal Floriano. Esta foi então pisoteada, queimada, mijada e jogada nas portas do palácio do governo.
Este ano tivemos outro embate histórico que culminou com a vitória do movimento do passe livre, que conseguiu mais uma vez demonstrar a força do povo unido, contras as barbaridades da elite burra. Mesmo que persista usurpando os direitos básicos de educação, saúde e lazer dos cidadãos. Todos seriamente comprometidos pela corja de ladrões que exploram o suor e sangue da população, através de um transporte publico caro e de péssima qualidade.
Neste contexto, no ultimo dia 13 de novembro aconteceu, aqui em Floripa, a primeira caminhada do orgulho louco. Sob os auspícios da bem sucedida parada do orgulho gay, associada ao ideário de ocupação dos latifúndios improdutivos do MST, éramos cerca de 60 pessoas. Na primeira parte do acontecimento, que começou cerca de 11 da manhã, manifestações culturais, políticas e sociais, tomaram conta do largo da alfândega. Os passantes puderam observar, ainda um pouco surpresos, de que forma pretendemos construir a identidade do novo louco. Outrora excluído e abandonado, hoje ele vem pra rua gritar que precisamos viver num mundo mais: solidário, cooperativo, inclusivo e tolerante com as diferenças.
Na segunda parte do dia, por volta das 14 horas embarcamos em ônibus cedido pelos companheiros do SINTUFSC (Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Santa Catarina), parceiros desde a primeira hora e rumamos a antiga Colônia Santana no vizinho município de São Jose. Hoje chamado de Instituto de Psiquiatria, maior hospício público de Santa Catarina.
Lá esticamos nossas faixas e fizemos um minuto de silêncio, em homenagem aos companheiros que permanecem presos na instituição, depois palavra aberta aos presentes que disseram palavras de incentivo aos internados, como: paz, harmonia, saúde e outras no sentido da transformação do hospital em espaço cultural, de geração de renda e vida nova aos “chamados” doentes mentais.
Questão de justiça lembrar o apoio imprescindível do apoio da presidência da Assembléia Legislativa, fornecendo material de divulgação, do coletivo da Radio de Tróia, na divulgação e participação efetiva em todos os momentos do evento, de integrantes do Maracatu Arrasta Ilha, do Fórum Catarinense de Saúde Mental, dos músicos do grupo Parasol, e de toda a galera que esteve de corpo e alma nessa empreitada diária de mudar o mundo.
Ano que vem, no segundo sábado de novembro, estaremos de volta, mais atilados e certeiros, quais arqueiros zen, com nossas flechas-pensamentos, prontos a derrubar os muros do preconceito, seja ele de que tipo for.
Nós, loucos organizados, queremos a felicidade que nos cabe. Falando nisso, o que você faz com sua loucura? Venha enlouque-ser com a gente. Mudar o mundo é mudar a si mesmo. Quanto mais simples, maior o espanto.