sexta-feira, dezembro 10, 2010

Querida professora Analice e demais companheiras,
Mais uma vez, aprendemos com vocês. Estamos cientes de que não
se pode separar clínica e politica, pois que, a política se faz presente,
sempre, em todos os nossos atos. E quem desqualifica isso, não vive
neste mundo! Política e poder são inerentes, uma a outra. Esta é a grande
disputa que está em jogo, a partir da ABP, haja vista, a entrevista do
seu novo presidente, a qual, comentamos abaixo, reformulando um texto
nosso, anteriormente enviado.
Parabéns, querida professora e obrigado por sua citação
Geraldo e Dulce
 
A GUERRA SANTA DA ABP (Nossas considerações)De forma alguma, as políticas públicas não podem, jamais, ser contrárias
aos médicos. O que nos parece é que, uma linha da psiquiatria é que é
contrária às políticas públicas. Paira no ar, um espectro de
"privatização" na saúde mental. Somos apenas dois familiares, porém, intensamente envolvidos há quase trinta anos, nas questões relativas à saúde mental, antes mesmo, de se cogitar sobre reforma psiquiátrica, movimento, CAPS e etc. e tal. Temos dois filhos esquizofrênicos: Dulce, mãe de Sylvio Luiz e Geraldo, pai de André Luiz, falecido em 31 de outubro de 2010, no sofá de sua casa, diante de mim, e não dentro de um hospital psiquiátrico. Portanto, sabemos muito bem do que estamos falando. Não aceitamos mistificação, seja de que lado for ou, de forma alguma. O que iremos declarar, é a afirmação e o
sentimento de toda uma vida. Não estamos sendo manipulados e, jamais nos
serviríamos para esse tipo de jogo. Trata-se de uma experiência legítima e
absolutamente pessoal, e não, de idéias abstratas.
Os psiquiatras dispensam tal defesa, exarada na entrevista deste senhor, pois, são profissionais com um nível científico-acadêmico diferenciado. Então, devem saber muitíssimo bem como lidar com as questões relativas às políticas públicas em saúde mental. Conhecemos muito bem, o Dr. Antonio Geraldo da Silva. Já ouvimos e lemos, em inúmeras oportunidades, essa cantilena massacrante e destruidora, com que esse senhor continua atacando, sem dó nem piedade e, sem o menor respeito, aos pacientes, que diz defender, tudo o que foi construído ao longo destes últimos vinte anos, procurando, a qualquer custo, trazer de volta os dias negros do manicômio. Sabemos, com muita clareza e, existem provas contundentes de que, o hospital psiquiátrico, por mais moderno que seja, NÃO TRATA! Existem novas formas de se abordar e de se tratar à saúde mental. A psiquiatria é, somente, uma delas.
Acreditamos que o prezado doutor não tenha relido sua entrevista, quando fala em interesses "ideológicos e corporativistas". Corporativismo? Interesses ideológicos? Interesse de quem? Custa-nos crer! Quem merece vestir essa carapuça, salvo, a própria ABP? Nem todos os psiquiatras pensam dessa forma. Conhecemos muitos, inúmeros psiquiatras que discordam, peremptoriamente, dessa afirmação, tão descabida. Isso tudo é mais uma grande chantagem, que vem sendo usada como se se tratasse de uma unanimidade, como uma posição de um "clube" único e... muito fechado. E porque os movimentos sociais não podem estar presentes nessas questões? Porque? Os movimentos sociais referentes à saúde mental, são basicamente compostos por usuários e seus familiares, incluindo-se aí, simpatizantes e muitos técnicos solidários, inclusive, muitos psiquiatras. Portanto, existe sim, um justo envolvimento de usuários, familiares e técnicos, pertencentes aos movimentos sociais.
O que dizer do presidente da ABP defendendo a Lei 10.216, agora?  Essa mesma lei que foi massacrada, vilipendiada, execrada, desde a sua aprovação, em 2001, até os dias recentes e, desde muito antes, desde o primeiro projeto de lei, há vinte anos atrás, pela ala mais radical e conservadora da psiquiatria?
A humanização (palavra perigosa, esta) não se refere apenas, à psiquiatria. Nós todos somos humanos, demasiadamente humanos. Quem define a "humanização" ou não, do tratamento, é o usuário, o familiar e, às vezes, o profissional, desde que, engajado nessa nova perspectiva, nessa nova visão. Esse julgamento não cabe, nem ao ministério, nem à ABP.
O discurso da reforma psiquiátrica foi assimilado por todos, portanto, hoje em dia, ninguém mais é contra ela. O que esta acontecendo, evidentemente, é uma disputa pelo poder, mais do que evidente!  Esta é a grande questão. Por mais que se queira desviar o foco de atenção, é o PODER que está em jogo! Só os muito ingênuos estão deixando de perceber isso. Está-se criando uma ruptura na saúde mental, com interesses pessoais, estes sim, corporativistas. Existe uma duplicidade nesse inacreditável discurso, do Dr. Antonio Geraldo. Ambos os nossos filhos, portadores de transtornos da mais alta complexidade, repetimos, esquizofrenia-paranóide, são, foram e serão tratados, sempre, invariavelmente, nesses serviços,  que ora estão sendo considerados, como uma unanimidade dentro da ABP, como sendo incapazes para o atendimento de "determinados diagnósticos".
Existe um erro em se chamar os CAPS de símbolo, conforme declaração do presidente da ABP. Eles não representam um símbolo, mas são, na realidade, as âncoras para o tratamento humanizado. Não são soluções fáceis, nem fictícias.
Essa entrevista do senhor doutor Geraldo Antonio da Silva, de um voluntarismo exacerbado, nos dá a oportunidade de, enfim, conhecer a verdadeira face de uma ala da ABP, a qual, finalmente, ele conseguiu presidir. Ao que nos parece, a solução definitiva de todos os problemas da saúde mental, está em suas mãos... Existe uma grande má-fé, em dizer-se que o  acolhimento noturno é um eufemismo para internação. Nem vamos entrar no mérito desta discussão. É evidente que lá, exista uma equipe multidisciplinar, contando, inclusive, com médicos psiquiatras da maior importância e, reconhecidamente capazes, senão, não teríamos a tranqüilidade para deixar lá, nossos filhos.
Nós, na condição de familiares, já estamos profundamente decepcionados com esse manifesto do senhor Antonio Geraldo, o novo presidente da ABP, falando em ideologia e corporativismo. Novamente, nesse mesmo texto. Lamentável... Insistimos, mais uma vez: Nesse cenário, quem é que está defendendo o corporativismo?
NÓS, sabemos muito bem do que estamos falando!"
Geraldo e Dulce
Familiares da Saúde Mental
Membros do núcleo paulista da Abrasme
Geraldo, Dulce, eu realmente amo vocês. Amo a clareza das palavras. Amo o quanto a gente pode sentir o coração de vocês batendo sob as palavras. E contra essa força, esse amor, não tem poder no mundo que possa desconstruir. Essa nossa trama, esse tecido, feito de lágrimas, sorrisos, horas de espera, desespero, mas horas de descoberta, crescimento. Principalmente, depois desses anos juntos, a muito preciosa sensação de que não estamos sozinhos. Acho que o maior mal, a verdadeira doença na saúde mental é a solidão. E isso a gente aprende a mudar dentro do movimento social. Que não é feito só de relatórios, né Geraldo, né Dulce. É feito de abraços, de carinho, de calor, de afetividade.

Ontem o pai me disse que não existe mais nenhum hospital em Santa Catarina que queira me receber hoje. Só a Colônia Santana, que é do SUS (não sei porque ela quer?) E um outro em Blumenau, que é famoso por ter o nosso querido eletrochoque. E o Geraldo lembra sobre o corporativismo. O pai não quis me dizer como ou por quem ele foi informado, pelos senhores psiquiatras de Santa Catarina, que o meu destino por aqui agora é a clara tortura. Eu disse pra ele que não tinha medo. Ele disse pra mim que tinha muito medo. Eu disse pra ele que tinha gente Brasil afora que tava de olho em mim. É disso que eu falo, quando lembro desse milagre que é sair da solidão, do isolamento. Se querem me torturar, se querem me dar choque, se querem calar minha boca, me matar por dentro, ou por fora... Que matem. Não seria em vão.  Eu botei meu tijolinho nessa estrada da reforma. Não tenho vocação pra mártir, que fique claro. Mas eu sei que faço parte de um grupo de bravos. De pessoas que a vida, por mais sofrida que tenha sido, não conseguiu matar a esperança.

A luta, senhores psiquiatras, não se faz apenas nas conferências de saúde mental, nos encontros do movimento, nas audiências com ministros, nos gabinetes e consultórios. A luta maior está dentro da gente. Na nossa capacidade de digerir o empenho dos senhores em faturar com o nosso sofrimento. Com a sede de poder que os senhores tem, de governar a vida dos chamados loucos, suas famílas e também dos caminhos que as políticas públicas devem seguir. Eu sei que os senhores não se contentam mais com o dinheiro. Com o caviar, as viagens internacionais, o luxo que a gente viu no congresso brasileiro de psiquiatria aqui em floripa. Os senhores querem sugar toda a vida que nós temos. Querem ser reconhecidos publicamente como os guardiões da sanidade, da saúde mental. E nós, os loucos, com nossa hipersensibilidade, percebemos bem o tipo de mundo que vivemos. Com o planeta sendo destruído rapidamente em nome do prazer imediato. Com as paixões tristes do consumismo desenfreado. Claro que quando digo isto, não estou generalizando. Afinal, toda a unanimidade é burra. Nossa luta é contra esse senhores que se colocam no papel de juízes da razão. E são tantos e são muitos.

Mas esse desabafo fica por aqui.

Amo vocês, guerreiros da luta antimanicomial. E mesmo quando a nuvem negra insiste em me acompanhar, mesmo na hora da dor sem nome. Sei que posso sempre, sempre, contar com uma luz no fim do túnel, que se chama acolhimento. Com o coração numa mão e a doçura no sorriso dos companheiros. A luta continua. Sempre continuará.

Beijo do Nilo

segunda-feira, setembro 13, 2010

Louco

Olha o louco
calçada afora
gesticulando
que horror!

E os doutos
ao seu redor
correndo que nem uns loucos
por uma vida melhor

Valmir Motola Batista
(poeta gaúcho)
Livro Só Versos
Ed. Evangraf 
Porto Alegre 
2007

sexta-feira, agosto 20, 2010

Eu consultei e acreditei
No velho papo do tal psiquiatra que te ensina
Como é que você vive alegremente, acomodado
E conformado de pagar tudo calado
Ser bancário ou empregado, sem jamais se aborrecer

Ele só quer, só pensa em adaptar
Na profissão, seu dever é adaptar

Raul Seixas em "É fim de mês"

Assista no youtube a música, do DVD Baú do Raul, com B Negão.
http://www.youtube.com/watch?v=73ZolWFKwHo
A disciplina é o que a fábrica, o escritório e a loja têm em comum com a prisão,  a escola e o hospital psiquiátrico.

Bob Black em O Grouxo Marxismo (ed. conrad)

sexta-feira, julho 30, 2010

luta antimanicomial e experiência da loucura

luta antimanicomial e experiência da loucura
Por Márcio Mariguela Psicanalista e Professor de Filosofia.
Postado por Lucio Costa em http://bocaquefala.blogspot.com/


“Numa entrevista ao jornal Corriere della Sera, em 11/set./1981, quando da morte do psicanalista Jacques Lacan, Michel Foucault afirmou: “ser psicanalista para Lacan supunha uma ruptura violenta com tudo o que tendia a fazer depender a psicanálise da psiquiatria, ou fazer dela um capítulo sofisticado da psicologia. Ele queria subtrair a psicanálise da proximidade da medicina e das instituições médicas, que considerava perigosa. Ele buscava na psicanálise não um processo de normalização dos comportamentos, mas uma teoria do sujeito”.
Lembrei-me dessa entrevista enquanto pesquisava na internet as notícias das diversas atividades realizadas em todo Brasil pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no Dia Nacional de Luta Antimanicomial, celebrado na última terça-feira (18/maio). A data foi escolhida em 1987 em Bauru, São Paulo, onde ocorreu o Congresso de Trabalhadores de Serviços de Saúde Mental. As atividades serviram para chamar a atenção da sociedade para as diferentes práticas de acolhimento às pessoas abatidas pelo sofrimento psíquico. O evento merece todo o respeito e apoio num momento em que ocorrem as plenárias municipais e estaduais para escolherem os delegados que participarão, com direito a voz e voto, da IV Conferência Nacional de Saúde Mental.
No site do Ministério da Saúde, a Política Nacional de Saúde Mental, apoiada na Lei 10.216/02, é apresentada com o seguinte objetivo: “busca consolidar um modelo de atenção à saúde mental aberto e de base comunitária. Isto é, que garante a livre circulação das pessoas com transtornos mentais pelos serviços, comunidade e cidade, e oferece cuidados com base nos recursos que a comunidade oferece. Este modelo conta com uma rede de serviços e equipamentos variados, tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS III). O Programa de Volta para Casa, que oferece bolsas para egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos, também faz parte desta Política”.
Os serviços de saúde pública voltado ao atendimento “de pessoas com transtornos mentais” partem de determinadas circunstâncias históricas que envolvem aspectos políticos e epistemológicos (a construção de um saber sobre a loucura). A construção de diagnóstico e o tratamento da experiência da loucura dependem de uma definição básica: a loucura é uma doença mental. O próprio conceito de “transtorno mental” para designar as pessoas abatidas pelo sofrimento psíquico já está contido nessa premissa básica. Mas desde quando a experiência da loucura foi designada como doença mental?
A criação dessa data comemorativa deu visibilidade ao Movimento da Luta Antimanicomial que, por sua vez, seguia os trilhamentos do movimento da antipsiquiatria instaurado pelos surrealistas na França e o pela Reforma Psiquiátrica, surgido na Itália nos anos 70. As condições de confinamento asilar dos manicômios psiquiátricos foram denunciadas ao longo de décadas e travou-se uma luta contínua para libertar os loucos da condição subanimal em que viviam. O Museu da Loucura em Barbacena (MG) nos dá um exemplo da situação retratando quem eram os loucos internados nos manicômios:
As práticas de internamento da loucura possuem uma história. Até 1650, a cultura ocidental foi estranhamente hospitaleira à experiência da loucura. A partir daí ocorreu brusca mudança: o mundo da loucura vai se tornar o mundo da exclusão. Por toda a Europa, a prática do internamento era uma medida de assistência social, sem vocação médica alguma. Na França, por exemplo, cada grande cidade terá seu Hospital Geral, para onde são encaminhamos os loucos, os pobres inválidos, os velhos na miséria, os mendigos, os desempregados, os usuários de ópio, os portadores de doenças venéreas e demais rebotalhos sociais. O internamento não visava ao tratamento específico dos loucos. Seu propósito, até a Revolução Francesa, era reestruturar o espaço social: fazer uma higienização das ruas e praças, recolhendo todos os desvalidos e encaminhando- os à internação no Hospital Geral. O modelo republicano implantado libertou os pobres e desvalidos do internamento, reservando o espaço apenas para os loucos: os herdeiros naturais do internamento.
Foucault em seu livro-acontecimento História da Loucura na Idade Clássica (Ed. Perspectiva) , delineou a constituição histórica da loucura como doença mental, afirmando que, antes do século 19, a experiência da loucura era bastante polimorfa, tendo sido com o advento das práticas de internamento no Hospital Geral que a categoria de doença mental começou a ser construída para diagnosticar os loucos e aplicar técnicas corretivas de tratamento: “numa época relativamente recente o Ocidente concedeu um status de doença mental à loucura e as práticas de internamento adquiriram uma nova significação tornando-se medida de caráter médico”. É nesse contexto que a psiquiatria será inventada e uma psicopatologia, construída.
A atualidade da luta antimanicomial está diretamente ligada às reivindicações por políticas públicas que possam acolher em tratamento e cuidados aqueles afetados pela experiência da loucura. Ocorre que a loucura perdeu seu diagnóstico diferencial ao ser subjulgada pela categoria de doença mental. Os protocolos e consensos na comunidade científica definem a experiência da loucura como doença mental e determinam políticas públicas de atendimento em saúde mental. Os diagnósticos da loucura, feitos com base no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM IV) e na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 10), dominam hegemonicamente os discursos e práticas de atenção à saúde mental e pouco contribuem para um avanço significativo no tratamento da experiência da loucura.
Como os trabalhadores do campo da saúde mental podem se desvencilhar dessa armadilha construída historicamente que captura os discursos e práticas de resistências? Como os cuidadores, que acolhem os abatidos pelo sofrimento psíquico, podem restituir a experiência da loucura como um modo de enunciação da verdade do sujeito, como um grito de desespero e demanda de amparo?”

segunda-feira, julho 19, 2010

terça-feira, julho 06, 2010


Papo de Usuario - Conferencia Nacional de Saude Mental - Intersetorial - Brasilia 2010

quarta-feira, junho 16, 2010

 Loucura?... Enfermidade ou Diferença?

A loucura nos dá medo. Temos medo dos ditos loucos: eles comem criancinhas!...
É o mito reatualizado: o louco é perigoso, pueril e improdutivo. No entanto, a nova psiquiatria já conseguiu ver no sofrimento mental a crise de alguém que questiona o mundo e se revela diferente. O louco
agora não é mais desrazão, nem a materialização humana da figueira seca.
Ela - a loucura - é uma lavoura fértil: denuncia a violência e o desamor, a injustiça social e o cotidiano robotizado do mundo e anuncia a possibilidade do novo, de um novo modo de ser e amar, de
viver e sonhar. Aliás, a convivência com a loucura nos permite ver neles um duplo analisador: foram os ditos normais que criaram o Vietnã, a Bósnia, o Carandiru, a Candelária... E que a ordem social criada pela lógica da normalidade, esta sim, assassina as nossas crianças: de desnutrição de abandono, de roubo do seu direito de ser criança e crescer na linguagem graciosa e terna do ato de aprender, brincando. Ela ensina mais: o mundo da normalidade instituída é um mundo de homens cinzentos. A loucura, não, é a poesia do arco-íris, o encanto da noite de luar... O pôr-do-sol...
Vivemos fugindo da loucura. Temendo-a, negando-a... Todavia, se existe uma loucura-doença, ela existe justamente devido à necessidade social de organizar a vida, fazendo do homem um corpo servil, jamais podendo se devir ser singular, diferente.
Assim, criamos o esquizofrênico de asilo, o doente mental propriamente dito, a loucura-dor...
A clínica da psicose depara-se com estas questões. Existe na loucura uma dor que pede aconchego, limite e espaço de reconstrução da vida. Uma terapêutica capaz de secando lágrimas, auxiliar na concretização
dos sonhos emergentes. E uma terapêutica capaz de ousar, escutando nos clamores da loucura os convites da vida, da vida que cansada do medíocre, já se permite querer novidade.
Sim, tememos a loucura. Hoje, seria mentira dizer que nós, eu, você e a sociedade, tememos os “loucos”. Tememos neles a voz da vida. Negamos neles a nossa própria loucura. ... Porém, chega de covardia. Afinal, podemos diante da loucura, nossa e alheia, dizer: posso, preciso e devo assumir tudo e todos; que
nascendo novidade nos tirem desta melancolia, desta melancolia de um mundo que precisa esperar um ilusório fim do mundo, para não se descobrir na responsabilidade de reconstrui-lo, aqui-e-agora, sempre,
na luta e na festa, reconstruir o mundo livre e feliz, fraterno e solidário. Um mundo loucamente cristão... Loucamente socialista... Um mundo-Céu...
Aí, então, enclausuraremos no hospício da história a loucura desalmada dos que alimentam, tripudiam e lucram com o sofrimento inerente a um sistema, este mesmo sistema que a loucura ousa negar ao se propor
estar a serviço da vida, vida-lavoura que produz arroz e feijão, soja e café, mas também uva, maça e um ou outro fruto proibido.

Jorge Bichuetti

segunda-feira, maio 31, 2010

Estive esse final de semana na reunião do pessoal da Frente de Luta pelo Transporte Público. Lá falei que a luta antimanicomial estava com eles e contribui com a comissão de comunicação, aonde encontrei os camaradas da nossa querida rádio de tróia, hoje tarrafa.
Pra quem quiser saber mais...

http://www.fltcfloripa.libertar.org/


http://radiotarrafa.libertar.org/

Conferencia Estadual de Saude Mental - Intersetorial - Floripa/Santa Catarina 2010
Precisamos desfazer muitas de nossas ilusões em nosso encontro com a loucura. Ela, quando vem, vem para ficar... E traz conflitos, muitos conflitos, desestrutura tudo, principalmente muitas das ilusões burguesas, de posição, dinheiro, segurança, bem estar, etc., conflitos estes que, na maioria das vezes, é que dão nascimento à própria loucura. Falo de ilusões burguesas porque, é à classe social a qual, um dia, pertenci. Mas a loucura não escolhe, ela é extremamente democrática, não sendo exclusividade de uma determinada classe. O familiar precisa saber que a loucura, é um acontecimento humano, é real. Não é metafísica, nem obra do espírito santo, nem de algum deus, nem mesmo, do demônio, não vem do céu, nem do inferno, ela é verdadeira, é legítima, ela se expõe a todos nós, sem subterfúgios nem máscaras... Para alguns ela é uma manifestação divina, uma epifânia. Para outros... é demoníaca e deve ser exorcizada. Talvez este seja o momento mais verdadeiro e honesto em nossas vidas e, por essa razão, tão assustador para alguns. Mas ela recria a vida em outro nível, aumenta um patamar, sobe, alcançando um outro degrau, e então, nesse instante - ela muda tudo, subverte todos os valores em que um dia acreditamos. Como já disse antes, ela é, verdadeiramente, REVOLUCIONÁRIA!
Pelo menos tem sido, para mim.
Geraldo

sábado, maio 22, 2010

18 de maio, dia da Luta Antimanicomial!

Por Seu Ribeiro

   Loucos pela Vida

Quando uma família nota
Que um filho ou um pai
Não sabe se entra ou sai
Passa a servir de chacota
A infelicidade brota
Neste lar, sem precisão
E um mar de aflição
Sem aviso aparece
Muita gente se esquece
Que o “louco” é um cidadão.
Os entes, desesperados
Sem saber o que fazer
Tentam o “louco” convencer
A se juntar aos drogados
Que já estão internados
Por ter perdido a razão;
O “doido” grita que não
E logo o tempo escurece.
Muita gente se esquece
Que o “louco” é um cidadão.
Já o sistema de saúde
Que é publico não tem
Ambulância para ninguém
E ao pobre não ilude
Mandar tomar atitude
E a família na aflição
Chama logo um camburão
E a policia aparece
Muita gente se esquece
Que o “louco” é um cidadão.
Já depois de ser fixado
E desfeito o engano
Passa ser chamando “insano”
E ao hospital é levado
Lá depois de ser dopado
É devolvido a nação
Como sendo um doidão
Que respeito não merece.
Muita gente se esquece
Que o “louco” é um cidadão.
 
Do blog http://zuzufontes.blogspot.com/

quarta-feira, maio 12, 2010

Queridas e Queridos

Esteja aonde estiver, o Senhor Austragésilo Carrano Bueno deve estar dando risada. E pensar que mesmo não estando presente, continua causando polêmica.
Nesse momento de Conferência, todos querem ser mais "amigos dele" do que outros, mal escondendo o desejo de ser os herdeiros de seu espólio político.
Mas mesmo diante desse nosso verdadeiro mito, que doou sua vida à causa antimanicomial, com seus discursos, textos e livros inflamados, ao constatar tanta injustiça e sofrimento, que nossas companheiras e companheiros usuários são expostos diariamente, um outro aspecto de sua personalidade precisa ser sempre lembrado: o carinho e atenção que sempre, e eu repito, sempre, dispensava aos usuários, no sentido de saber se estavam sendo bem tratados, se estava faltando alguma coisa, um verdadeiro gentleman.
Somos todos de alguma forma filhos de seus sonhos de "uma vida mais plena e farta, repleta de toda satisfação, que se tem direito, do firmamento ao chão", como diz Lulu Santos
Salve Carrano. Salve os militantes da luta antimanicomial. Todos à IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial.

Nilo Neto
usuário metido a besta

terça-feira, maio 04, 2010

  06 - Alucinação by niloneto
Alucinação
Belchior
Composição: Belchior

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Nem no algo mais
Nem em tinta pro meu rosto
Ou oba oba, ou melodia
Para acompanhar bocejos
Sonhos matinais...

Eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Nem nessas coisas do oriente
Romances astrais
A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais...

Um preto, um pobre
Uma estudante
Uma mulher sozinha
Blue jeans e motocicletas
Pessoas cinzas normais
Garotas dentro da noite
Revólver: cheira cachorro
Os humilhados do parque
Com os seus jornais...

Carneiros, mesa, trabalho
Meu corpo que cai
Do oitavo andar
E a solidão das pessoas
Dessas capitais
A violência da noite
O movimento do tráfego
Um rapaz delicado e alegre
Que canta e requebra
É demais!...

Cravos, espinhas no rosto
Rock, Hot Dog
"Play it cool, Baby"
Doze Jovens Coloridos
Dois Policiais
Cumprindo o seu duro dever
E defendendo o seu amor
E nossa vida
Cumprindo o seu duro dever
E defendendo o seu amor
E nossa vida...

Mas eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Nem no algo mais
Longe o profeta do terror
Que a laranja mecânica anuncia
Amar e mudar as coisas
Me interessa mais
Amar e mudar as coisas
Amar e mudar as coisas
Me interessa mais...

Um preto, um pobre
Uma estudante
Uma mulher sozinha
Blue jeans e motocicletas
Pessoas cinzas normais
Garotas dentro da noite
Revólver: cheira cachorro
Os humilhados do parque
Com os seus jornais...

Carneiros, mesa, trabalho
Meu corpo que cai
Do oitavo andar
E a solidão das pessoas
Dessas capitais
A violência da noite
O movimento do tráfego
Um rapaz delicado e alegre
Que canta e requebra
É demais!...

Cravos, espinhas no rosto
Rock, Hot Dog
"Play it cool, Baby"
Doze Jovens Coloridos
Dois Policiais
Cumprindo o seu duro dever
E defendendo o seu amor
E nossa vida
Cumprindo o seu duro dever
E defendendo o seu amor
E nossa vida...

Mas eu não estou interessado
Em nenhuma teoria
Em nenhuma fantasia
Nem no algo mais
Longe o profeta do terror
Que a laranja mecânica anuncia
Amar e mudar as coisas
Me interessa mais
Amar e mudar as coisas
Amar e mudar as coisas
Me interessa mais...

sexta-feira, abril 30, 2010

Elio Gaspari - Folha de São Paulo

Perelman é doido, ou entendeu tudo?

O russo esquisito que resolveu um dos sete mistérios da matemática tem muito a ensinar


EM 2008, quando Lady Gaga gravou seu primeiro álbum, já se tinham passados seis anos do dia em que Grigori Perelman resolvera a Conjectura de Poincaré, um dos maiores mistérios da matemática. Num mundo que consome celebridades, a história de Perelman merece cinco minutos de atenção.
Ele é um matemático russo, de 43 anos, já passou meses sem trocar de roupa, raramente corta as unhas, a barba ou o cabelo. Vive com a mãe em São Petersburgo, tem horror a jornalistas e viveu sete anos praticamente recluso. Nem e-mails respondia. Quando esteve nos Estados Unidos, a base de sua alimentação era pão preto e iogurte. Recusou cátedras nas universidades de Princeton, Berkeley, Stanford e no MIT. É um excêntrico, mas é um excêntrico que tem bastante a ensinar. Até que ponto vive-se melhor parecendo maluco do que deixando-se bafejar pela celebridade?
Superando ciúmes, intrigas e rivalidades, Perelman acaba de conquistar o prêmio dos "Problemas do Milênio", com direito a um cheque de US$ 1 milhão, concedido por uma fundação americana, por ter decifrado um dos sete grandes mistérios da matemática. Em 2006, ofereceram-lhe um honraria considerada equivalente a um Nobel de matemática. Recusou-a.
Para os leigos (como o signatário), a Conjectura de Poincaré é algo incompreensível. Ainda assim, pode-se perceber que Poincaré, um matemático francês que morreu em 1912, deixou para o mundo uma conjectura. Mais difícil será entender o que significa o segundo mistério: "A existência de Yang-Mills e a falha na massa".
Perelman resolveu a conjectura em 2002. Em vez de mandar seu trabalho para uma revista científica, onde um painel de estudiosos estudaria a consistência dos argumentos, simplesmente jogou os textos na internet, num arquivo público de trabalhos acadêmicos. O trabalho não dizia que a conjectura havia sido resolvida, essa tarefa cabia a quem o lesse. (Um matemático gastou três meses para entendê-lo.) A comunidade dos sábios consumiu dois anos estudando, invejando e, em alguns casos, buscando uma falha na explicação. Perda de tempo.
Quando Perelman foi convidado por Princeton, pediram-lhe um currículo. Respondeu que, se não sabiam quem ele era, não deveriam convidá-lo. Como o MIT chamou-o depois que resolveu a Conjectura de Poincaré, recusou porque deveriam tê-lo chamado antes. Num último convite podia ganhar quanto quisesse e fazer o que quisesse durante o tempo que bem entendesse. Respondeu que estava comprometido com seus alunos do ensino médio de São Petersburgo, o que nem era verdade.
Perelman ofendeu-se quando o "New York Times" disse que ele sustentava que resolvera a conjectura para ganhar US$ 1 milhão. Afinal, estudava o problema muito antes de o prêmio surgir e não sustentava coisa alguma. Decifrara a Conjectura de Poincaré, ponto.
Perelman é um matemático excêntrico e, pensando-se bem, Lady Gaga é uma roqueira quase convencional. Assim as coisas ficam fáceis e pode-se ir em paz ao próximo show. Contudo o mundo fica mais interessante quando se sabe que o negócio de Perelman é outro. Os matemáticos podem viver num mundo de liberdade e rigor absolutos. Ele escolheu uma vida de total integridade, sem concessões a coisa alguma. Ninguém manda nele, só a matemática, num diálogo que dispensa outras vozes.
Darandina

Guimarães Rosa

De manhã, todos os gatos nítidos nas pelagens, e eu em serviço formal, mas, contra o devido, cá fora do portão, à espera do menino com os jornais, e eis que, saindo, passa, por mim e duas ou outras três pessoas que perto e ali mais ou menos ocasionais se achavam, aquele senhor, exato, rápido, podendo-se dizer que provísoríamente impoluto. E, pronto, refez-se no mundo o mito, dito que desataram a dar-se, para nós, urbanos, os portentosos fatos, enchendo explodidamente o dia: de chinfrim, afã e lufa-lufa.
- "O, seô! .. ." - foi o grito; senão se, de guerra: -"Ugh, sioux! . . ." - também cabendo ser, por meu testemunho, já que com concentrada ou distraída mente me encontrava, a repassar os próprios, íntimos qüiproquós, que a matéria da vida são. Mas: - "Oooh.. ." - e o senhor tão bem passante algum quieto transeunte apunhalara?! Isso em relance e instante visvi - vislumbrou-se-me. Não. Que só o que tinha sido - vice-vi mais: - pouco certeiro e indiscreto no golpe, um afanador de carteiras. Desde o qual, porém, irremediável, ia-se o vagar interior da gente, roto, de imediato, para durante contínuos espisódios.
- "Sujeito de trato, tão trajado.. ." - estranhava, surgíndo do carro, dentr'onde até então cochilara, o chofer do dr. Bílolo. - "A caneta-tinteiro foi que ele abafou, do outro, da lapela.. ." - depunha o menino dos jornais, só no vivo da ocasião aparecendo. Perseguido, entretanto, o homem corria que luzia, no diante do pé, varava pela praça, dava que dava. - "Pega!" Ora, quase no meio da praça, instalava-se uma das palmeiras-reais, talvez a maior, mesmo majestosa.
Ora, ora, o homem, vestido correto como estava, nela não esbarrou, mas, sem nem se livrar dos sapatos, atirou-se-lhe abraçado,, e grimpava-a, voraz, expedito arriba, ao incrível, ascensionalíssimo. -Uma palmeira é uma palmeira ou uma palmeira ou uma palmeira? - inquiriria um filósofo. Nosso homem, ignaro, escalara dela já o fim, e fino. Susteve-se.
- Esta! - me mexi, repiscados os olhos, em tento por me readquirir. Pois o nosso homem se fora, a prumo, a pino, com donaires de pica-pau e nenhum deslize, e ao topo se encarapitava, safado, sabiá, no páramo empíreo. Paravam os de seus perséquito, não menos que eu surpresos, detidos, aqui em nível térreo-, anta a infinita palmeira - muraLhavaz. O céu só safira: No chão, já nem se contando o crescer do ajuntamento, dado que, de toda a circunferência, acudiam pessoas e povo, que na praça se emagotava. Tanto nunca pënsei que uma multidão se gerasse, de graça, assim e instantânea.
Nosso homem, diga-se que ostentoso, em sua altura inopinada, floria e frutificava: nosso não era o nosso homem. - "Tem arte.. ." - e quem o julgava já não sendo o jornaleiro, mas o capelão da casa; quase com regozijo. Os outros, acolá, de infra a supra, empinavam insultos, clamando do demo e aqui-da-polícia, até se perguntava por arma de fogo. Além, porém, muito a seu grado, ele imitatívamente aleluiasse, garrida a voz, tonifluente; porque mírável era que tanto se fizesse ouvir, tudo apesar-de. Discursava sobre canetas-tinteiro? Um carnelô, portanto, atrevido na propaganda das ditas e estilógrafos. Em local de má escolha, contudo, pensei; se é que, por descaridosa, não me escandalizasse ainda a idéia de vir alguém produzir acrobacias e dislativas peloticas, dessas, justo em frente de nosso Instituto.
Extremamente de arrojo era o sucesso, em todo o caso, e eu humano; andei ver o reclamista. Chamavam-me, porém, nesse entremenos, e apenas o Adalgiso, sisudo ele, o de sempre, só que me pegando pelo braço. Puxado e puxando, corre que apressei-me, mesmo assim, pela praça, para o foco do sumo, central transtornamento. Com estarmos ambos de avental, davam-nos alguma irregular passagem. - "Como foi que fugiu?" - todo o mundo perguntando, do populacho, que nunca é muito tolo por muito tempo. Tive então enfim de entender, ai-me, mísero. - "Como o recapturar?" Pois éramos, o Adalgiso e eu, os internos de plantão, no dia infausto 'fantástico.
Vindo o que o Adalgiso, com de-curtas, não urgira em cochichar-me: nosso homem não era nosso hóspede. Instantes antes, espontâneo, só, dera ali o ar de sua desgraça
- "Aspecto e facies nada anormais, mesmo a forma e conteúdo da elocução a princípio denotando fundo mental razoável..." Grave, grave, o caso. Premia-nos a multidão, e estava-se na área de baixa pressão do ciclone. -"Disse que era são, mas que, vendo a humanidade já enlouquecida, e em véspera de mais tresloucar-se, inventara a decisão de se internar, voluntário: assim, quando a coisa se varresse de infernal a pior, estaria já garantido ali, com lugar, tratamento e defesa, que, à maioria, cá fora, viriam a fazer falta..." - e o Adalgiso, a seguir, iem se culpava de venial descuido, quando no ir querer preencher-lhe a ficha.
- "Você se espanta?" - esquivei-me. De fato, o homem exagerara somente uma teoria antiga: a do professor Dartanhã, que, mesmo a nós, seus alunos, declarava-nos em quarenta-por-cento casos típicos, larvados; e, ainda, dos restantes, outra boa parte, apenas de mais puxado diagnóstico... Mas o Adalgiso, mas ao meu estarrecido ouvido: - "Sabe quem é? Deu nome e cargo. Sandoval o reconheceu. É Q secretário das Finanças Públicas.. ." - assim baixinho, e choco, o Adalgiso.
Ao que, quase de propósito, a turba calou-se e enervou-nos, à estupefatura. Desolávamo-nos de mais acima olhar, aonde evidentemente o céu era um desprezo de alto, o azul antepassado. De qualquer modo, porém, o homem, aquém, em torre de marfim, entre as verdes, hirtas palmas, e ao cabo de sua diligência de veloz como um foguete, realizava-se, comensurado com o absurdo. Sei-me atreito a vertigens. E quem não, então, sob e perante aquilo, para nós um deus-nos-sacuda, de arrepiar perucas, semelhante e rigorosa coisa? Mas um super-humano ato pessoal, transe hiperbólico, incidente hercúleo. - "Sandoval vai chamar o dr. diretor, a polícia, o palácio de governo..." - assegurou o Adalgiso.
Uma palmeira não é uma mangueira, em sua frondosura, sequer uma aroeira, quanto a condições de fixibilidade e conforto, acontece-que. Que modo e como, então, agüentava de reter-se tanto ali, estadista ou não, são ou doente? Ele lá não estava desequilibrado; ao contrário. O repimpado, no apogeu, e rematado velhaco, além de dar em doido, sem fazer por quando. A única coisa que fazia era sombra. Pois, no justo momento, gritou, introduziu-se a delirar, ele mais em si, satisfatível: - "Eu nunca me entendi por gente! .. .' - de nós desdenhava. Pausou e repetiu. Daí e mais: - "Vocês me sabem é de mentira!" Respondendo-me? Riu, ri, riu-se, rimo-nos. O povo ria.
Adalgiso, não: - "Ia adivinhar? Não entendo de política" - inconcluía. - "Excitação maníaca, estado demencial. .. Mania aguda, delirante... E o contraste não é tudo, para se acertarem os sintomas?" - ele, contra si consigo, opunha. Psiu, porém, quem, assado e assim, a mundos e resmungos, sua total presença anunciava? Vê-se que o dr. diretor: que, chegando, sobrechegado. Para arredar caminho, por império, os da policia - tiras, beleguins, guardas, delegado, comissário - para prevenir desordem.
Também, cândidos, com o dr. diretor, os enfermeiros, padioleiros, Sandoval, o capelão, o dr. Enéias e o dr. Bilolo. Traziam a camisa-de-força. Fitava-se o nosso homem empalmeirado. E o dr. diretor, dono: -"Há de ser nada!"
Contestando-O, diametral, o professor Dartanhã, de contrária banda aportado: - "Psicose paranóide hebefrênica, dementia praecox, se vejo claro!" - e não só especulativo-teorético, mas por picuinha, tanto o outro e ele se ojerizavam; além de que rivais, coincidentemente, se bem que calvo e não calvo. Toante que o dr. diretor ripostou, incientífico, em atitude de autoridade: - "Sabe quem aquele cavalheiro é?" - e o título declinou, voz vedada; ouvindo-o, do povo, mesmo assim, alguns, os adjacentes sagazes. Emendou o mote o professor Dartanhã:
mas transitória perturbação, a qual, a capacidade civil, em nada lhe deixará afetada.. ." versando o de intoxicação-ou-infecção, a ponto falara. Mesmo um sábio se engana quanto ao em que crê; - cremos, nós outros, que nossos límpidos óculos limpávamos. Assim cada qual um asno prepalatino, ou, melhor, apud o vulgo: pessoa bestificada. E, pois que há razões e rasões, os padioleiros não depunham no chão a padiola.
Porque, o nosso, o excelso homem, regritou: - "Viver é impossível! . .." - um slogan; e, sempre que ele se p?ometía para falar, conseguia-se, cá, o multitudinal silêncio - das pessoas de milhares. Nem esquecera-lhe o elémento mímico: fez gesto - de que empunhasse um guarda-chuva. Ameaçava o que a quem, com seu estrocatastrófico?
- "Viver é impossível!" - o dito declarado assim, tão empírico e anermenêuticO, só através do egoísmo da lógica. Mas, menos como um galhofeiro estapafúrdio, ou alucinado burlão, pendo a ouvir, antes em leal tom e generoso. E era um revelar em favor de todos, instruía-nos de verdadeira verdade. A nós - substantes seres subaéreos - de cujo meio ele a si mesmo se raptara. Fato, fato, a vida se dizia, em si, impossível. Já assim me pareceu. Então, ingente, universalmente, era preciso, sem cessar, um milagre; que é o que sempre há, a fundo, de fato. De mim, não pude negar-lhe, incerta, a simpatia intelectual, a ele, abstrato - vitorioso ao anular-se chegado ao pincaro de um axioma.
Sete perítos, oficiais pares de olhos, do espaço inferior o estudavam. - "Que ver: que fazer?" - agora. Pois o dr. diretor comandava-nos em conselho, aqui, onde, prestimosa para nós, dilatava a polícia, a proêmíos de casse-têtes e blasfemos rogos, uma clareira precária. Para embaraços nossos, entretanto, portava-se árduo o ilustre homem, que ora encarnava a alma de tudo: inacessível. E - portanto - imedicável. Havia e haja que reduzi-lo a baixar, valha que por condigno meio desguindá-lo.
Apenas, não estando à mão de colher, nem sendo de se atrair com afagos e morangos. - "Fazer o quê?" -unânimes, ora tardávamos em atinar. Com o que o dr. diretor, como quem saca e desfecha, prometeu: - "Vêm ai os bombeiros!" Ponto. Depunham os padioleiros no chão a padiola.
O que vinha, era a vaia. Que não em nós, bem felizmente, mas no nosso guardião do erário. le estava na ponta. Conforme quanto, rápida, no chacoalhar da massa, difundira-se a identificação do herói. Donde, de início, de bufos avulsos gritos, daqui, aqui, um que outro, comicamente, a atoarda pronta borbotava. E bradou aos céus, formidável, una, a versão voxpopular: - "Demagogo! Demagogo! .. ." - avessa ressonância. - "Demag000-go! .. ." - a belo e bom, safa, santos meus, que corri-maça. O ultravociferado halali, a extrair-se de imensidão: apinhada, em pé, impiedosa - aferventada ao calor do dia de março. Tenho que mesmo uns de nós, e eu, no conjunto conclamávamos. Sandoval, certo, sim; ele, na vida, pela primeira vez, ainda que em esboço, a revoltarse. Reprovando-nos o professor Dartanhã: - "Não tem um político direito às suas moléstias mentais?" - magistralmente enfadado. Tão certo que até o dr. diretor em seus créditos e respeitos vacilasse - psíquiatrista. Vendo-se, via-se que o nosso pobre homem perdia a partida, agora, desde que não conseguindo juntar o prestígio ao fastígio. Demagogo...
Conseguiu-o - de truz, tredo. Em suave e súbito, deu-se que deu que se mexera; a marombar, e por causas. Daí, deixando cair... um sapato! Perfeito, um pé de sapato - não mais - e tão condescendentemente. Mas o que era o teatral golpe, menos amedrontador que de efeito burlesco vasto. Claro que no vivo popular houve refluxos e fluxos, quando a mera peça demitiu-se de lá, vindo ao chão, e gravitacioflal se exibiu no ar. Aquele homem: -"É um gênio!" - positivou o dr. Bilolo. Porque o povo o sentia e aplaudia, danado de redobrado: - "Viva! Viva! .. ." - vibraram, reviraram. - "Um gênio!" - notando-se, elegiam-no, ofertavam-lhe oceânicas palmas. Por São Simeão! E sem dúvida o era, personagente, em sua sícofância, conforme confere e confirmava: com extraordinária acuidade de percepção e alto senso de oportunidade.
Porque houve também o outro pé, que nao menos se desabou, após pausa. Só que, para variar, este, reto, presto, se riscou - não parabolava. Eram uns sapatos amarelados.
O nosso homem, em festival - autor, alcandorado, alvo: desta e elétrica aclamação, adequada.
Estragou-a a sirena dos bombeiros: que eis que vencendo a custo o acesso e despontafldo, com esses tmtinabulos sons e estardalho. E ancoravam, isto é - rubro de lagosta ou arrebol - cujo carro. Para eles se ampliava lugar, estricto espaço de manobra; com sua forte nota belígera, colheram sobeja sobra dos aplausos. Aí já seu comandante se entendendo com a policia e pois conosco, ora. Tinham seu segundo, comprido caminhão, que se f azia base da escada: andante apetrecho, para o empreendimento, desdobrável altaneiramente, essencial, muito máquina. Ia-se já agir. Manejando-Se marciais tempos e movimentos, à cometa e apito dados. Começou-se. Ante tanto, que diria o nosso paciente - exposto cínico insígne?
Disse. - "O feio está ficando coisa.. ." - entendendo de nossos planos, vivaldamente constatava; e nisso indocilizava-se, com mímica defensiva, arguto além de alienado.
A solução parecendo inconvir-lhe. - "Nada de cavalo-de-pau!" - vendo-se que de fresco humor e troiano, suspeitoso de Palas Atenéia. E: - "Querem comer-me ainda verde?!"
- o que, por mero mimético e sintomático, apenas, não destoava nem jubilava. A arte que, mesmo escada à parte, os bons bombeiros, muito homens seriam para de assalto tomar a palmeira-real e superá-la: o uso avulso de um deles, tão bem em técnicas, sabe-se lá, quanto um antllhano ou canaca. A poder de cordas, ganchos, espeques, pedais postiços e poiais fincáveis. Houve nem mais, das grandes expectações, a conversa entrecortada. O silêncio timbrava-se.
Isto é, o homem, o prócer, protestou. - "Pára! ..
Gesticulou que ia protestar mais. - "Só morto me arriam. me apeiam!" - e não à toa, augural, tinha ele o verbo bem adestrado. Hesitou-se, de cá para cá, hesitávamos.
- "Se vierem, me vou, eu... Eu me vomito daqui! .. - pronunciou. Declamara em demorado, quase quite eufórico, enquanto que nas viçosas palmas se retouçando, desvárias vezes a menear-se, oscilante por um fio. A coaxa acrescentou: - "Cão que ladra, não é mudo.. ." - e já que só faltava mesmo o triz, para passar-se do aviso àlástima. Parecia prender-se apenas pelos joelhos, a qualquer simples e insuportável finura: sua palma, sua alma. Ah... e quase, quasinho... quasezínho, quase... Era de horrir-me o pêlo. Nanja. - "É de circo.. ." - alguém sussussumrou-me, o dr. Enéia ou Sandoval. O homem tudo podia, a gente sem certeza disso. Seja se com simulagens e fictâncias? Seja se capaz de elidir-se, largar-se e se levar do diabo. No finório, descabelado propósito, pempendurou-se um pouco mais, resoluto rematado. A morte tocando, paralela conosco - seu tênue tambor taquigráfico.
Deu-nos a tensão pânica: gelou-se-me. Já aí, ferozes, em favor do homem: - "Não! Não" - a gritamulta -"Não! Não! Não!" - tumultroada. A praça reclamava, clamava.
Tinha-se de protelar. Ou produzir um suicídio reflexivo - e o desmoronamento do problema? O dr. diretor citava Empédocles. Foi o em que os chefes terrestres concordaram: apertava a urgência de não se fazer nada. Das operações de salvamento, interrompeu-se o primeiro ensaio. O homem parara de balançar-se - irrealmente na ponta da situação. Ele dependia dele, ele, dele, ele, sujeito. Ou de outro qualquer evento, o qual, imediatamente, e muito aliás, seguiu-se.
De um - dois. Despontando, com o chefe de polícia, o chefe de gabinete do secretário. Passou-se-lhe um binóculo e ele enfiava olho, palmeira-real avante-acima, detendo-se, no titular. Para com respeito humano renegá-lo: - "Não o estou bem reconhecendo.. ." Entre, porém, o que com mais decoro lhe conviesse, optava pela solicitude, pálido.
Tomava o ar um ar de antecâmara, tudo ali aumentava de grave. A família já fora avisada? Não, e melhor, nada: familia vexa e vencilha. Querendo-se conquanto as verticais providências, o que ficava por nossa má-arte. Tinha-se de parlamentar com o demente, em não havendo outro meio nem termo. Falar para fazer momento; era o caso. E, em menos desniveladas relações, como entrosar-se, físico, o diálogo?
Se era preciso um palanque? - disse-se. Com que, então sem mais, já aparecia - o cônico cartucho ou cumbuca - um alto-falante dos bombeiros. O dr. diretor ia razoar a causa: penetrar em o labirinto de um espírito, e - a marretadas do intelecto - baqueá-lo, com doutorldade. Toques, crebros, curtos, de sirena, o incerto silêncio geraram. O dr. diretor, mestre do urso e da dança, empunhava o preto comnetão, embocava-o. Visava-o para o alto, clrcense, e nele trombeteimo soprava. - "Excelência! .. ." - começou, sutil, persuasivo; mal. - "Excelência.. ." - e tenha-se, mesmo, que com tresincondigna mesura. Sua calva foi que se luziu, de metalóide ou metal; o dr. diretor gordo e baixo. Infundado, o povo o apupou:
- "Vergonha, velho!" - e - "Larga, larga! .. ." Deste modo, só estorva, a leiga opinião, quaisquer clérigas ardilidades. Todo abdicativo, o dr. diretor, perdido o comando do tom, cuspiu e se enxaguava de suor, soltado da boca o instrumento. Mas não passou o megafone ao professor Dartanhã, o que claro. Nem a Sandoval, prestante, nem ao Adalgiso, a cujos lábios. Nem ao dr. Bilolo, que o querendo, nem ao dr. Enéias1 sem voz usual. A quem, então pois?
A mim, mi, me, se vos parece; mas só enfim. Temi quando obedeci, e muito siso havia mister. Já o dr. diretor me ditava:
- "Amigo, vamos fazer-lhe um favor, queremos cordialmente ajudá-lo.. ." - produzi, pelo conduto; e houve eco. - "Favor? De baixo para cima? . . ." - veio a resposta, assaz sónora. Estava ele em fase de aguda agulha. Havia que o questionar. E, a novo mando do dr. diretor, chamei-o, minha boca, com intimativa: - "Psiu! Ei! Escute!
Olhe! .. ." - altiloqüei. - "Vou falir de bens?" - ele altitonava. Deixava que eu prosseguisse; a sua devendo de ser uma compreensão entediada. Se lhe de deveres e afetos falei! - "O amor é uma estupefação.. ." - respondeu-me. (Aplausos.) Para tanto tinha poder: de fazer, vezes, um oah-oa-oah! - mão na boca - cavernoso.
Intimou ainda: - "Tenha-se paciência! .. ." E: - "Hem? Quem? Hem?" - fez, pessoalmente, o dr. diretor, que o aparelho, sôfrego, me arrebatara. - "Você, eu, e os neutros.. ." - retrucou o homem; naquele elevado incongruir, sua imaginação não se entorpecia. De nada, esse ineficaz paralàparacàparlar, razões de quiquiriqui,
a boa nossa verbosia; a não ser a atiçar-lhe mais a mioleira, para uma verve endiabrada. Desistiu-se, vem que bem ou mal, do que era querer-se amimar a murros um porco-espinho. Do qual, de tão de cima, ainda se ouviu, a final, pérfida pergunta: - "Foram às últimas hipóteses?"
Não. Restava o que 'se ínesperava, dando-se como sucesso de ipso-facto. Chegava... O quê? O que crer? O próprio! O vero e são, existente, secretário das Finanças Públicas - ipso. Posto que bem de terra surgía, e desembarafustadamente. Opresso. Opaco. Abraçava-nos, a cada um de nós se dava, e aliás o adulávamos, reconhecentemente, como ao pródigo o pai ou o cão a Ulisses. Quis falar, voz inarmônica; apontou causas; temia um sósia? Subiam-no ao carro dos bombeiros, e, aprumado, primeiro perfez um giro sobre si, em tablado, completo, adequando-se à expositura. O público lhe devia. - "Concidadãos!"- ponta dos pés. - "Eu estou aqui, vós me vedes. Eu não sou aquele! Suspeito exploração, calunia, embuste, de inimigos e adversários.. ." De rouco, à força, calou-se, não se sabe se mais com bens ou que males. O outro, já agora ex-pseudo, destituído, escutou-o com ociosidade. De seu conquistado poleiro, não parava de dizer que sim acenado.
Era meio-dia em mármore. Em que curiosamente não se tinha fome nem sede, de mais coisas qual que me lembrava. Súbita voz: - "Vi a Quimera!" - bradou o homem, importuno, impolido; irara-se. E quem e que era? Por ora, agora, ninguém, nulo, joão, nada, sacripante, qüídam. Desconsiderando a moral elementar, como a conceito relativo: o que provou, por sinais muito claros. Desadorava. Todavia, ao jeito jocoso, fazia-se de castelo-noar. Ou era pelo épico epidérmico? Mostrou - o que havia entre a pele e a camisa.
Pois, de repente, sem espera, enquanto o outro perorava, ele se despia. Deu-se à luz, o fato sendo, pingo por pingo. Sobre nós, sucessivos, esvoaçantes - paletó, cueca, calças - tudo a bandeiras despregadas. Retombandolhe a camisa, por fim, panda, aérea, aeriforme, alva. E feito o forró! - foi - balbúrdias. Na multidão havia mulheres, velhas, moças, gritos, mouxe-trouxe, e trouxe-mouxe, desmaios. Era, no levantar os olhos, e o desrespeitável público assistia - a ele in puris naturallbus.
De quase alvura enxuta de aipim, na verde coma e fronde da palmeira, um lídimo desenroupado. Sabia que estava a transparecer, apalpava seus membros corporais. - "O síndrome.. ." - o Adalgiso observou; de novo nos confusion4vamos. - "Sindrome exofrênico de Bleuler.. ." - pausado, exarou o Adalgisó. Simplificava-sê o' homem em escândalo e emblema, e franciscano magnifícío, à força de sumo contraste. Mas se repousava,, já de humor benigno, em condições de primitividade.
Com o que - e tanta folia - em meio ao acrisolado calor, suavam e zangavam-se as autoridades. Não se podendo com o desordeiro, tão subversor e anônimo? Que havia que iterar, decidiram, confabulados: arcar com os cornos do caso. Tudo se pôs em movimento, troada a ordem outra vez, breve e bélica, à fanfarra - para o cometimento dos bombeiros. Nosso rancho e adro, agora de uma largura, rodeada de cordas e polícias; já ali se mexendo os jornalistas, repórteres e fotógrafos, um punhado; e filmavam.
O homem, porém, atento, além de persistir em seus altos inténtos, guisava-se também em trabalho muito ativo. Contara, decerto, com isso, de maquinar-se-lhe outra esparrela. Tomou cautela. Contra-atacava. Atirou-se acima, mal e mais arriba, desde que tendd início o salvatério: contra a vontade, não o salvavam! Até; se até.
A erguer-se das palmas movediças, até o sumo vértice; ia já atingir o espique, ver e ver que com grande risco de precipitar-se. O exato era ter de falhar - com uma evidência de cachoeira. - "É hora!" - foi nossa interjeição golpeada; que, agora, o que se sentia é que era o contrário do sono. Irrespirava-se. Naquela porção de
silêncios, avançavam os bombeiros, bravos? Solerte, o homem, ão último ponto, sacudiu-se, se balançava, eis: misantropóide gracioso, em artificioso equilíbrio, mas em seu eixo extraordinário. Disparatou mais: - "Minha natureza não pode dar saltos?..." - e, à pompa, ele primava.
Tanto é certo que também divertia-nos. Como se ainda carecendo de patentear otimismo, mostrava-nos insuspeitado estilo. Dandinava. Recomplicou-se, piorou, a pausa.
Sua queda e morte, incertas, sobre nós pairando, altanadas. Mas, nem caindo e morrendo, dele ninguém nada entenderia. Estacavam, os bombeiros. Os bombeiros recuavam.
E a alta escada desandou, desarquitetou-se, encaixava-se. Derrotadas as autoridades, de novo, diligentes, a repartir-se entre cuidados. Descobri, o que nos faltava.
Ali, uma forte banda-de-música, briosa, à dobrada. Do alto daquela palmeira, um ser, só, nos contemplava.
Dizendo sorrindo o capelão: - "Endemoninhado.. Endemoninhados, sim, os estudantes, legião, que do sul da praça arrancavam? - de onde se haviam concentrado. Dado que roda-viveu um rebuliço, de estrépito, de assaltada.
Em torrente, agora, empurravam passagem. Ideavam ser o homem um dos seus, errado ou certo, pelo que juravam resgatá-lo. Era um custo, a duro, contê-los, à estudantada.
Traziam invisa bandeira, além de fervor hereditário. Embestavam. Entrariam em ato os cavalarianos, esquadrões rompentes, para a luta com o nobre e jovem povo. Carregavam?
Pois, depois. Maior a atrapalhação. Tudo tentava evoluir, em tempo mais vertiginoso e revelado. Virou a ser que se pediam reforços, com vistas a pôr-se a praça esvaziada; o que vinha a ponto: Porém, também entoavam-se inacionais hinos, contagiando a multaturba. E paz?
De ás e roque e rei, atendeu a isso, trepado no carro dos bombeiros, o secretário da Segurança e Justiça. Canoro, grosso, não gracejou: - "Rapazes! Sei que gostam de me ouvir. Prometo, tudo.. ." - e verdade. Do que, aplaudiram-no, em sarabando, de seus antecedentes se fiavam. Deu-se logo uma remissão, e alguma calma. Na confusão, pelo sim pelo não, escapou-se, aí, o das-Finanças-Públicas secretário. Em fato, meio quebrado de emoções, ia-se para a vida privada.
Outra coisa nenhuma aconteceu. O homem, entre o que, entreaparecendo, se ajeitara, em berço, em seus palmares. Dormindo ou afrouxando de se segurar, se ele de& se de torpefazer-se, e enfim, à espatifação, malhar abaixo? De como podendo manter-se rijo incontável tempo assim, aos círcunstantes o professor Dartanhã explicava.
Abusava de nossa paciência - um catatónico-hebefrênico - em estereotipia de atitude. - "A frechadas logo o depunham, entre os parecis e nhambiquaras.. ." - inteirou o dr. Bilolo; contente de que a civilização prospere a solidariedade humana. Porque, sinceros, sensatos, por essa altura, também o dr. diretor e o professor Dartanhã congraçavam-se.
Sugeriu-se nova expediência, da velha necessidade. Se, por treslouco, não condescendesse, a apelo de algum argumento próximo e discreto? Ele não ia ressabiar; conforme concordou, consultado. E a ação armou-se e abu-se: a escada exploradora - que nem que canguru, um, ou louva-a-deus enorme vermelho - se desdobrou, em engenhingonça, até a mais de meio caminho no vácuo. Subia-a o dr. diretor, impertérrito ousadamente, ele que naturalizava-se heróico. Após, subia eu descendo, feito Dante atrás de Virgilio. Ajudavam-nos os bombeiros. Ao outro, lá, no galarim, dirigiamo-nos, sem a própria orientação no espaço. A de nós ainda muitos metros, atendia-nos, e ao nosso latim perdido. Por que, brusco, então, bradou por: - "Socorro! .. ." -Tão então outro tresbulício - e o mundo inferior estalava. Em fúria, arruaça e frenesis, ali a população, que, a insanar-se e insanir-se, comandandoa seus mil motivos, numa alucinação de manicomiáveis. Depreque-se! - não fossem derrubar caminhão e escada. E tudo por causa do sobredito-cujo: como se tivesse ele instilado veneno nos reservatórios da cidade.
Reaparecendo o humano e estranho. O homem. Vejo que ele se vê, tive de notá-lo. E algo de terrível de repente se passava. Ele queria falar, mas a voz esmorecida; e embrulhou-se-lhe a fala. Estava em equilíbrio de razão: isto é, lúcido, nu, pendurado. Pior que lúcido, relucidado; com a cabeça comportada. Acordava! Seu acesso, pois, tivera termo, e, da idéia delirante, via-se dessonambulizado. Desintuído, desinfluído - se não se quando - soprado. Em doente consciência, apenas, detumescera-se, recuando ao real e autônomo, a seu mau pedaço de espaço e tempo, ao sem-fim do comedido. Aquele pobre homem escoroçoava. E tinha medo e tinha horror - de tão novamente humano. Teria o susto remíniscente - do que, recém, até ali, pudera fazer, com perigo e preço, 'em descompasso, sua inteligência em calmaria. Sendo agora para despenharse, de um momento para nenhum outro. Tremi, eu, comiserável. Vertia-se, cala? Tiritávamos. E era o impasse da mágica. É que ele estava em si; e pensava. Penava - de vexame e acrofobia. Lá, ínfima, louca, em mar,. a multidão: infernal, ululava.
Daí, como sair-se, do lance, desmanchado o firme burgo? Entendi-o. Não tinha rosto com que aparecer, nem roupas - buf ão, truão, tranca - para enfrentar as razões finais. Ele hesitava, electrochocado. Preferiria, então, não salvar-se? Ao drama no catafalco, emborcava-se a taça da altura. Um homem é, antes de tudo, irreversível.
Todo pontilhado na esfera de dúvida, propunha-se em outra e imensurável distância, de milhões' e trilhões de paimeiras. Desprojetava-se, coitado, e tentava agarrar-se, inapto, à razão absoluta? Adivinhava isso o desvairar da multidão espaventosa - enlouquecida. Contra ele, que, de algum modo, de alguma maravilhosa continuação, de repente nos frustrava. Portanto, embaixo, alto bramiam. Feros, ferozes. Ele estava são. Vesânicos, queriam linchá-lo.
Aquele homem apiedava diferentemente - de fora da província humana. A precisão de viver vencia-o. Agora, de gambá 'num atordoamento, requeria nossa ajuda. Em fãcilpressa atuavam os bombeiros, atirandose a reaparecê-bo e retrazê-bo - restidigitavam-no. Rebaixavam-no, com tábuas, cordas e peças, e, com seus outros meios apocatastãticos.
Mas estava salvo. Já, pois. Isto e assim. Iria o povo destrui-lo?
Ainda não concluíndo. Antes, ainda na escada, no descendimento, ele mirou, melhor, a multidão, deogenésica, diogenista. Vindo o que, de qual cabeça, o caso que já não se esperava. Deu-nos outra cor. Pois, tornavam a endoidá-bo? Apenas proclamou: - "Viva a luta! Viva a liberdade!" - nu, adão, nado, psiquiartista. Frenéticos, o ovacionaram, às dezenas de milhares se abalavam. Acenou, e chegou embaixo, incólume. Apanhou então a alma' de entre os pés, botou-se outro. Aprumou o corpo, desnudo, definitivo.
Fez-se o monumental desfecho. Pegaram-no, a ombros, em esplêndido, levaram-no carregado. Sorria, e, decerto, alguma coisa ou nenhuma proferia. Ninguém poderia deter ninguém, naquela desordem do povo pelo povo. Tudo se desmanchou em andamento, espraiandose para trivialídades. Vivera-se o dia. Só restava imudada, irreal, a palmeira.
Concluíndo. Dando-se que, em pós, desafogueados, trocavam-se pelos paletós os aventais. Modulavam drásticas futuras providências, com o professor Dartanhã, ex-professo, o dr. diretor e o dr. Enéias - alienistas. -"Vejo que ainda não vi bem o que vi..." referia Sandoval, cheio de cepticismo histórico. - "A vida é constante, progressivo desconhecimento.. ." - definiu o dr. Bibobo, sério, entendo que, pela primeira vez. Pondo o chapéu, elegantemente, já que de nada se sentia seguro. A vida era à hora.
Apenas nada disse ó Adalgiso, que, sem aparente algum motivo, agora e sempre súbito assustava-nos. Ajuizado, correto, circunspecto demais: e terrível, ele, não em si, insatisfatório. Visto que, no sonho geral, permanecera insolúvel. Dava-me um frio animal, retrospectado. Disse nada. Ou talvez disse, na pauta, e eis tudo. E foi para a cidade, comer camarões.

quarta-feira, abril 21, 2010

sexta-feira, abril 16, 2010

Essa eh do Dr. E. Bernstein, divertida:

http://anti-psiquiatria.blogspot.com

Seja uma Pessoa Mentalmente Saudável

Considerando a projeção da OMS de que daqui a algumas décadas aproximadamente cerca de 450 milhões de pessoas estarão acometidas por algum tipo de enfermidade mental, e considerando as grandes descobertas e avanços tecnológicos da psiquiatria no que diz respeito ao tratamento de tais doenças indiscutivelmente óbvias, torna-se imperativo, para efeito de prevenção, que nossa sociedade adote ou mantenha hábitos de vida a fim de permanecerem mentalmente saudáveis. Por se tratar de uma tarefa nobre e demasiada difícil darei alguns conselhos para os que temem algum dia sofrer de doença tão terrível, como a esquizofrenia, por exemplo.

- Não ouça os que negam a existência da doença mental

Sim, não dê ouvidos aos charlatões que insistem dizer que doença mental não existe. É claro que ela existe, e a maior prova disto é a de que não existe nenhum exame específico capaz de detectar sua existência.

- Os críticos da psiquiatria só querem ganhar dinheiro à custa do sofrimento humano

Isto é realmente verdade. Trabalho sério mesmo são os do que apóiam a intervenção à base de drogas cuja indústria farmacêutica fatura bilhões ao ano. Estes são os senhores que escrevem livros baseados em critérios frouxos e impressões tendenciosas.

- O psiquiatra é seu melhor amigo

Um amigo é algo sempre desejável, mas um amigo que nos priva de liberdade e nos trata contra nossa vontade, isto é algo realmente apaixonante. Prova maior de compaixão pelo ser humano remonta apenas ao holocausto judeu.



- Psicoterapia é uma forma de tratamento como outra qualquer

Há certa dificuldade por parte dos críticos de compreender a atividade psicoterápica como forma de tratamento como outra qualquer. Aqui não existe nenhum mistério. O psicoterapeuta trata seu paciente da mesma maneira que o padre trata seu confessor. Um fala e outro escuta. O que fala às vezes escuta o que o primeiro tem a dizer. O confessor geralmente considera isto bom, a ponto de modificar sua vida e sentir-se melhor.

- Drogas psiquiátricas não fazem mal à saúde

Alguns críticos cometem a asneira de dizer que estas drogas mutilam o cérebro daqueles que as utilizam. Isto é falso. É apenas uma coincidência o fato de inúmeros pacientes mentais apresentarem distúrbios neurológicos, além de uma série de outros sintomas, e de terem uma expectativa de vida inferior a da maioria da população. Depois de administrar por longo período de anos drogas que atacam o cérebro, é lógico que o mesmo permanecerá intacto. É quase como passar toda uma vida fumando tabaco, e o pulmão se mostrar tão saudável quanto à de um recém-nascido.

- Seja feliz, não satisfaça sua vontade, mas a dos outros

O segredo das pessoas felizes está aqui: se alguém lhe estapear a cara, dê um aplauso. Se sentir vontade de chorar, sorria. Se quiser dizer um não, diga sim. Nada é tão gratificante quanto satisfazer a vontade alheia ao prejudicar nosso desejo e destruir nossa pessoa. Os psiquiatras são quase divinos na arte de compreender o ser humano e indicar o melhor caminho a seguir. Assim se uma pessoa age como louco pelo fato de ser tratada como animal, o esperado é que ela se trate a fim de agir como a besta tal como é considerada por outros.

segunda-feira, abril 12, 2010

as funçoes do louco

parte 1

Bobo da corte, bufão, bufo ou simplesmente bobo é o nome pelo qual era chamado o "funcionário" da monarquia encarregado de entreter o reis e rainha e fazê-los rirem. Muitas vezes eram as únicas pessoas que podiam criticar o rei sem correr riscos.
O bobo teve origem no Império Bizantino. No fim das Cruzadas, tornou-se figura comum nas cortes européias, e seu desaparecimento ocorreu durante o século XVII. Vestia uniformes espalhafatosos, com muitas cores e chapéus bizarros com guizos amarrados.
O bobo da corte divertia o rei e os áulicos. Declamava poesias, dançava, tocava algum instrumento e era o cerimoniário das festas. De maneira geral era inteligente, atrevido e sagaz. Dizia o que o povo gostaria de dizer ao rei e zombava da corte. Com ironia mostrava as duas faces da realidade, revelando as discordâncias íntimas e expondo as ambições do Rei. Em geral, era um indivíduo de grotesca figura - corcunda ou anão.

parte 2

o louco do tarot

Simbologia

Busca, desapego, impulso, excitação.
No louco, tudo é leve e solto. Isto pode trazer inquietação e atividade, pode trazer mudanças àquilo que está estagnado. O cão tenta avisá-lo do precipício que tem à frente, mas parece que ele nem percebe, por estar distraído a olhar a borboleta, livre. Simboliza o desligamento da matéria, uma história a ser vivida, continuar vivendo a vida sabendo que algo surpreendente poderá acontecer e aceitar esse fato despreocupadamente. O acaso irá resolver tudo. Pode ser interpretado como despreocupação, curiosidade de experimentar coisas novas ou até mesmo um pouco de confusão. Também pode significar que o Louco partiu em busca de algo que procurava, como um desejo que de repente extravasa, uma busca que foi sufocada durante muito tempo. Geralmente o conselho é seguir a espontaneidade e estar aberto para tudo aquilo que a vida tem a lhe oferecer. Deve-se aceitar que você é um aprendiz da vida.

parte 3

O Rei Nu

Rubem Alves
Hans Christian Andersen foi um dinamarquês que gostava de contar estórias para grandes e pequenos. Todos conhecem a estória do Patinho Feio. Imagino que ele a inventou para consolar um menino feio, sem amigos, motivo de zombaria. Contou também a estória de uma menininha que, numa véspera de Natal, a neve caindo, tentava vender fósforos numa esquina da cidade. Ninguém parava. Ninguém comprava. Todos caminhavam apressados para suas casas onde havia uma lareira acesa, o vinho, a ceia e os presentes os esperavam. Todos queriam celebrar o nascimento de Jesus. É uma estória triste. De manhã a menininha estava morta na calçada, gelada pelo frio. É uma estória bem brasileira: não temos menininhas vendendo fósforos sob a neve que cai mas temos muitas crianças, adolescentes e velhos vendendo balas de goma nos semáforos. Eu também gosto de inventar estórias. E tenho prazer especial em re-contar estórias conhecidas dando-lhes um fim diferente.
Algumas das estórias de Hans Christian Andersen estão cheias de humor e ironia, como aquela do rei vaidoso que gostava de se vestir elegantemente.  Vou recontar esta estória com dois finais: o dele e o meu.
“Havia um rei muito tolo que adorava roupas bonitas. Os tolos, geralmente, gostam de roupas bonitas. Pois esse rei enviava emissários por todo o país com a missão de comprar roupas diferentes. Era o melhor cliente da Daslu. Os seus guarda-roupas estavam entulhados com ternos, sapatos, gravatas de todas as cores e estilos. Eram tantas as suas roupas que ele estava muito triste porque seus emissários já não encontravam novidades.
Dois espertalhões ouviram falar do gosto do rei pelas roupas e  viram nisso uma oportunidade de se enriquecerem às custas da vaidade da Majestade. A vaidade torna bobas as pessoas: elas passam a acreditar nos elogios dos bajuladores... Foi isso que aconteceu com um corvo vaidoso que estava pousado no galho de uma árvore com um queijo na boca: por acreditar nos elogios da raposa ficou sem queijo...
Pois os dois espertalhões-raposa foram até o palácio real e anunciaram-se na portaria, apresentando o seu cartão de visitas: “Doutor Severino e Doutor Valério, especialistas em tecidos mágicos.” 
O rei já havia ouvido falar de tecidos de todos os tipos mas nunca ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os dois fossem trazidos à sua presença. Diante do rei fizeram uma profunda barretada, tirando seus chapéus.
“Falem-me sobre o tecido mágico”,  ordenou o rei.
Um dos espertalhões, o mais loquaz, se pôs a falar.
“Majestade, diferente de todos os tecidos comuns, o tecido que nós tecemos é mágico porque somente as pessoas inteligentes podem vê-lo. Vestindo um terno feito com esse tecido Vossa Majestade será cercado apenas por pessoas inteligentes, pois somente elas o verão...”
O rei ficou encantado e imediatamente contratou os dois espertalhões, oferecendo-lhes um amplo aposento onde poderiam montar os seus teares e e tecer o tecido que só os inteligentes poderiam ver..
Passados alguns dias o rei mandou chamar o ministro da educação e ordenou-lhe que fosse examinar o tecido.  O ministro dirigiu-se ao aposento onde os tecelões estavam trabalhando.
“Veja, excelência, a beleza do tecido”, disseram eles com a mãos estendidas. O ministro da educação não viu coisa alguma e entrou em pânico. “Meu Deus, eu não vejo o tecido, logo  sou burro...” Resolveu, então, fazer de contas que era inteligente e começou a elogiar o tecido como sendo o mais belo que havia visto.
“Majestade”, relatou o minsitro da educação ao rei, “o tecido é incomparável, maravilhoso. De fato os tecelões são verdadeiras magos!” O rei ficou muito feliz.
Passados mais dois dias ele convocou o ministro da guerra e ordenou-lhe que examinasse o tecido. Aconteceu a mesma coisa. Ele não viu coisa alguma. “ Meu Deus”, ele disse, “ não sou inteligente. O ministro da educação viu e eu não estou vendo...” Resolveu adotar a mesma tática do ministro da educação e fez de contas que estava vendo. O rei ficou muito feliz com a seu relatório. E assim aconteceu com todos os outros ministros. Até que o rei resolveu pessoalmente ver o tecido maravilhoso. Mas, como os ministros, ele não viu coisa alguma porque nada havia para ser visto. Aí ele pensou:  “Os ministros da educação, da guerra, das finanças, da cultura, das comunicações viram. São inteligentes. Mas eu não vejo nada! Sou burro. Não posso deixar que eles saibam da minha burrice porque pode ser que tal conhecimento venha a desestabilizar o meu governo...” O rei, então, entregou-se a elogios entusiasmados ao tecido que não havia.
O cerimonial do palácio determinou então que deveria haver uma grande festa para que todos vissem o rei em suas novas roupas. E todos ficaram sabendo que somente os inteligentes as veriam. A mídia, televisão e jornais, convidaram todos os cidadãos inteligentes a que comparecessem à solenidade.
No Dia da Pátria, a cidade engalanada, bandeiras por todos os lados, bandas de música, as ruas cheias, tocaram os clarins e ouviu-se uma voz pelos alto-falantes:
“Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instantes a sua inteligência será colocada à prova. O rei vai desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver.”
Canhões dispararam uma salva de seis tiros. Ruflaram os tambores. Abriram-se os portões do palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova.
Foi aquele oh! de espanto. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a roupa do rei! Todos eram inteligentes.
No alto de uma árvore estava encarapitado um menino a quem não haviam explicado as propriedades mágicas da roupa do rei. Ele olhou, não viu roupa nenhuma, viu o rei pelado exibindo sua enorme barriga,  suas nádegas murchas  e  vergonhas dependuradas. Ficou horrorizado e não se conteve. Deu um grito que a multidão inteira ouviu:
“O rei está pelado!”
Foi aquele espanto. Um silêncio profundo. E uma gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. Todos gritavam enquanto riam: “ O rei está nu, o rei está nu...”
O rei tratou de tapar as vergonhas com as mãos e voltou correndo para dentro do palácio.
Quanto aos espertalhões, já estavam longe e haviam transferido os milhões que haviam ganho para um paraíso fiscal...”
Não foi bem assim que Hans Christian Andersen contou a estória. Eu introduzi uns floreados para torná-la mais atual. Agora vou contar a mesma estória com um fim diferente. Ela é em tudo igual à versão de Andersen, até o momento do grito do menino.
“O rei está pelado!
Foi aquele espanto. Um silêncio profundo. Seguido pelo grito enfurecido da multidão.
Menino louco! Menino burro! Não vê a roupa nova do rei! Está querendo desestabilizar o governo! É  um subversivo, a serviço das elites!”
Com estas palavras agarraram o menino, colocaram-no numa camisa de força  e o internaram num manicômio.
Moral da estória: Em terra de cego quem tem um olho não é rei. É doido.

(Correio Popular, 11/09/2005)


O que podemos esperar de nos mesmos, nesses dias de tribulaçao?
Em que momento saberemos lidar com o poder que nunca tivemos, de ser verdadeiramente ouvidos e respeitados, na construçao de espaços coletivos para o controle social do sus?
Quando o nosso protagonismo deixara de ser uma eventualidade conveniente para pressionar esse ou aquele grupo?
Afinal o queremos, os loucos, nesse mundo tao estranho?

Nilo Neto

sábado, abril 03, 2010

Quando o sujeito recebe o estigma de “louco” ou é diagnosticado como psicótico, e por isso é internado e conseqüentemente isolado em relação ao meio familiar e social de origem, ou mesmo quando é tratado exclusivamente com medicamentos em casa, ainda se evidencia o lugar de invalidação como sujeito, decorrente da anulação do seu poder de contrato. Essa invalidação do sujeito faz parte das representações sociais dominantes associadas à loucura, desta forma considera-se que “os bens dos loucos tornam-se suspeitos, as mensagens incompreensíveis, e os afetos desnaturados, tornando praticamente impossível qualquer possibilidade de trocas” qualificadas e qualificadoras ”(Tikanori, 2001, p.55-6).