sexta-feira, julho 02, 2004

CAPSTELO, CAPSTRANHO E CAPISTRANO

Muitos foram os encontros e desencontros desse primeiro congresso dos caps.
Saber que o pioneiro trabalho de Santos anda mal das pernas, doeu. Saber que existem mais caps privados e feitos dentro dos hospícios do que a gente imaginava, também.
Lindo foi ver tanta gente lutando, desejando e realizando a tal reforma psiquiátrica. Eu me senti mesmo muito amado, na minha condição flutuante de louco. Fiquei feliz também pelos meus companheiros e companheiras usuárias Brasil afora, que recebem a atenção diária desses valorosos guerreiros, trabalhadores da atenção psicosocial.
Participei de uma oficina sobre cooperativa e geração de renda.
Daí veio àquela coisa toda sobre como dividi os ganhos, como conseguir convênios, quem pode capacitar para o trabalho e tal.
Então perguntei aos trabalhadores de saúde mental presentes, se nas oficinas de geração de renda se discutia a ideologia por trás do modo de produção capitalista, como fator preponderante do sofrimento psíquico trabalhadores e eles me olharam como se eu fosse maluco...
Então preciso fazer umas reflexões aqui.

MARX E MATRIX

Numa grande reunião para discutir a implementação planetária do conceito de “você-pode-ser-um-vencedor”, Og Mandino, Dale Carnegie, Joseph Murphy, Napoleon Hill e Norman Vicent Peale e Lair Ribeiro concluíram que a única verdadeira saída para os portadores de transtorno mental era a de oferecer-lhes sub-empregos em fábricas, comércio, dando-lhes um sub-salário que não os matasse de fome, mas que garantisse à imagem dos donos do poder, um toque a mais de brilho e autoestima. Disseram os doutos senhores:
- Vamos dar esmola disfarçada aos malucos, para que não digam que somos desumanos. Assim eles também se ocupam de suas tarefas, como abelhas operárias e não ficam por aí fazendo estripulias. Além disso, deixam mais tempo para que seus familiares também sejam eficientes abelhas e possam no final do mês comprar medicamentos caros.
- Melhor ainda - disse Murphy - vamos juntar os governos e a indústria farmacêutica, aumentando o preço dos impostos e comprando remédios de alto custo, para que o governo faça essa compra.e as famílias achem que estão pegando remédio “de graça” nos postos de saúde. Enquanto isso vamos lucrando cada vez mais e deixando os ricos cada vez mais ricos e o hemisfério norte do planeta cada vez mais paranóico e milionário.
Então algum gênio da espécie que nem lembro bem quem, pensou:
- Mas qual seria a relação entre trabalho e loucura? Será que existe um sofrimento psíquico implícito nessa forma de organização capitalista que temos, por exemplo, dos trabalhadores das cidades e campos? E mais, se eles enlouquecem devido a esse conjunto poderoso de: salário, transporte público, saneamento básico, agrotóxicos, quem somos nós para ousar afastá-los do mercado de trabalho, tirando-lhes a chance incrível de ser operário-padrão. VAMOS SEM DEMORA FAZER A INCLUSÃO SOCIAL.

A PROPOSTA DO MILÊNIO

Tudo isso é porque lá naquela tal oficina do congresso dos caps, uma pessoa sugeriu que a indústria farmacêutica estaria interessada em financiar uma cooperativa de usuários de serviço de saúde mental.
Ora, fazendo isso, fecha-se o ciclo.
As pessoas enlouquecem por são coisificadas nas suas relação de trabalho. São levadas aos hospitais psiquiátricos, onde são tratadas com remédios de alto e baixo custo, fabricados por multinacionais e empresas brasileiras da indústria farmacêutica.
Quando melhoram um pouco são recolocadas no trabalho, via oficinas de geração de renda. Estas são muito semelhantes àquelas que os fizeram adoecer, com a vantagem de serem financiadas pela indústria que fabrica os remédios.
Ainda por cima, intermediada por uma falsa ciência chamada psiquiatria tradicional, que endossa tudo isso e legitima essa construção perante: a sociedade, as famílias e os próprios loucos, que acham muito bom poder enlouquecer novamente nas oficinas do hospício. Tudo isso não é maravilhoso???
Nossa verdadeira luta será sempre a de derrubar esse muro mental que separa: loucos e normais, negros e brancos, homens e mulheres, gays e heteros...
Nesse sentido, uma organização de trabalho que seja solidária, democrática, cooperativa, amorosa, ética, parece a verdadeira resposta para que nós, portadores de transtornos mentais, os ditos loucos, possamos começar a espalhar nossa doce loucura mundo afora.
Como dizia esse outro maluco do bem, Francisco de Assis: a loucura é o sol que não deixa a razão apodrecer. Vamos dar mais esse exemplo aos chamados normais, criando formas de trabalho que possam ser saudáveis e prazerosas. Vamos reinventar um mundo tolerante e tesudo. E que se inclua quem quiser, ou puder.

Nilo Marques de Medeiros Neto
Representante do Movimento da Luta Antimanicomial junto à Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde – Brasília/DF

Um comentário:

Anônimo disse...

Se for possivel gostaria que me passasse informaçoes arespeito do pos ditadura militar como e o que foi feitos dos hospicios e ou do hospicio e pacientes de florianópolis e sua casa de "tratamento".
me mande algo sobre pelo email buenalunas@yahoo.com.br
Abraços
Claudio