domingo, dezembro 23, 2007

COISA DE LOUCO ...

Sem pai nem patrão
,
acreditamos no auto-governo.

Fomos sendo lentamente calados,
pelo desprezo silencioso,
dos donos do mundo.
Dos que tem medo da diferença,
ao invés de reconhecer nela,
uma oportunidade de um outro olhar,
sobre os velhos problemas.

Não sabemos bem quem somos,
nem nosso potencial,
nem nossa força.
Mas não temos a inocência das crianças.
Temos sim, a graça de quem já perdeu tudo muitas vezes,
inclusive a identidade.
Por isso já não quebramos.

Nossos pesos e medidas são outros.
Nosso tempo corre fragmentado,
sem ontem ou amanhã distantes.

Nossa família está solta pelo mundo,
a gente se reconhece no olhar.
Alguns nos chamam loucos.
Entre nós, não temos nome.
Não acreditamos mais em palavras.
Nem nessas.

Gostaríamos que nos deixassem em paz. Gostaríamos que nos deixassem em paz. Gostaríamos que parassem de complicar o que é simples. Gostaríamos de mais cachoeira e menos estradas. Mais risada e menos antena. Mais banho de mar e menos imposto. Tecnologia para os homens e os animais, principalmente os colibris.

Se para sermos reconhecidos, tivermos que perder nossa liberdade, autenticidade, preferimos permanecer incompreendidos.
Muitos dos nossos nunca souberam seu valor. E se pudessem ter optado, decerto escolheriam um sorriso satisfeito a uma conta bancária.

Nilo (esse texto é de 2003 ou 2004)

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Tem um pessoa linda: guerreira, mulher, como só uma negra, nordestina, sabe ser. Ela passou por experiências subjetivas radicais (Obrigado de novo Eduardo Vasconcellos) e não se entregou. Hoje é professora, assistente social e está levando a boa nova da reforma psiquiátricas para os quatro cantos do Piauí. Loas a essa grande força, símbolo de resistência e fé na vida. O nome da ONG que ela ajuda a tocar é NINHO. E o atalho tá aí do lado. O nome dela? Maria Edileuza da Conceição Lima.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Sonho de um homem ridículo

Eu sou um homem ridículo. No momento dizem que estou louco. Seria um título excelente, se para eles eu não permanecesse nada mais que ridículo. Mas de agora em diante não me zango mais; todo mundo é muito gentil comigo, mesmo quando caçoa de mim, e, dir-se-ia, mais gentil ainda naquele momento. Eu riria de bom grado com eles, não tanto de mim mesmo, quanto para lhes ser agradável, se não sentisse tal tristeza ao contemplá-los. Tristeza de ver que não conhecem a verdade, esta verdade só eu conheço. Como é duro ser o único a conhecê-la! Porém, eles não compreenderão. Não, não compreenderão.

Dostoievski

quarta-feira, novembro 14, 2007

Confesso que nos anos de militância ingênua, sentia falta de pessoas com background semelhante ao meu, tanto nas lides da vida, quanto nas visões de mundo. Mas isso não me impediu de caminhar. E olhando pra trás agora, considerando a quase total falta de estrutura financeira. Considerando que a minha passagem foi pioneira em tantos sentidos. Até que realizei muito, contribuí sem medo, com a construção da famosa Reforma Psiquiátrica.

Certamente, e agora já um tanto mais calejado com a visão crua dos atores, humanos e falíveis, reconheço muito que fazer. Aceito críticas internas e externas. Aproveito para aprimorar ainda mais a pontaria de minhas flechas/pensamentos. Qual arqueiro zen, busco o ato puro.

Sei também que a voz dos usuários de serviços de saúde mental ainda é pouco ouvida. Mesmo nos Caps e Associações. Mas no amadurecimento desses espaços está certamente o futuro brilhante que carregará de vez o preconceito, o auto preconceito, o isolamento e solidão que tantos nos oprime, principalmente antimanicomiais de coração.

Nunca neguei a dor da experiência subjetiva radical. Não posso ainda prescindir dessas medicações cheias de efeitos colaterais horrorosos. Assim como das internações, ainda que em hospitais gerais, nas situações de grave risco.

Só queria lembrar que elas, as experiências, carregam também possibilidades inestimáveis de amadurecimento, solidariedade, criatividade e cooperação. Essas que são sistematicamente negadas nos chiqueiros psiquiátricos e suas salas de intervenção e tortura.

Defendê-los seria um apego ao passado, por demais obscurantista.

Beijo na hipófise.

Nilo Neto

quinta-feira, agosto 30, 2007

dois loucos no bairro

um passa os dias chutando postes
para ver se acendem
o outro as noites apagando palavras
contra um papel branco

todo bairro tem um louco
que o bairro trata bem
só falta mais um pouco
pra eu ser tratado também

Paulo Leminski

segunda-feira, julho 16, 2007

A senhora minha mãe, que participa de um grupo de auto ajuda para familiares de portadores de doença mental, com perfil burguês e afinidades manicomiais, me aparece com um texto de um psiquiatra da usp, ávido defensor do eletrochoque e um dos maiores adversários da reforma psiquiátrica conhecidos, publicado em revista semanal também reconhecidamente de direita.
Veio me mostrar, para que eu lesse e pudéssemos opinar, eu e meu pai, para que ela levasse o tal texto para discussão no grupo. A hora que eu vi o título, alguma coisa como “a normalidade existe”, logo pensei, está vendendo um serviço. E eu não sabia ainda quem era o autor. O contraponto dessa frase, famosa letra de Caetano Veloso, de perto ninguém é normal. Em seguida sugeri a minha querida progenitora que não levasse o texto, ao que ela retrucou que eu era radical.
Não vou entrar no mérito dessa discussão. Só queria deixar registrado que fiquei pensando no que oferecer a ela para levar ao grupo, ao invés do infame texto. Eu não sou um leitor contumaz dos teóricos antimanicomiais brasileiros. Que material seria interessante para aquele grupo de senhoras? O que temos produzido e para que fins? Textos demasiadamente acadêmicos seriam cansativos e herméticos.
Desde que me dei conta que esse blog antimanicomial está citado na página da saúde mental do ministério da saúde (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=24363&janela=2), assim como do site inverso, referência no assunto, na internet (http://www.inverso.org.br/index.php/content/view/10.html), atentei para o fato de que essa produção vai adquirindo algum valor aos que buscam informações nesse vasto mundo virtual.
Mas permanece a dúvida. Quem souber o que indicar, por favor ajude.

terça-feira, junho 26, 2007

Vermes

Não há palavra, ato ou vontade
Que comova o verme
O verme não se engaja em nada
Está sempre em sua sanha desenfreada
Pelo podre, morto, perverso
Mal vê, ao seu lado
Outros vermes
Igualmente solitários
Numa multidão de vermes
Devorando tudo à qualquer preço
Até que não sobre nada
Além de ossos
E fim
Sem saudades
De sua jornada

Charles Bukowski

terça-feira, abril 24, 2007


Eu achava que não fosse postar mais nada nesse blog. Deixá-lo assim, somente com a fase mais ingênua da militância. Mas não seria justo comigo e com os leitores, não participar das mudanças que ocorreram na minha vida nos últimos dois anos. Então segue a barca, rio acima, lutando contra o fluxo e o que o rio traz. Abraço


Nilo Neto


(texto preparado a pedido, para fazer parte das discussões do Fórum Catarinense de Saúde Mental, ocorrido em Brusque, SC, abril de 2007)

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Queridos amigos e amigas, usuários e familiares da saúde mental em Santa Catarina

Eu sinceramente acho que não tem jeito mesmo. Que a gente nasce pra sofrer, num mundo desgraçado e que o melhor é aprender a sofrer calado, que é pra não chatear muito quem tiver em volta. É claro que tem gente que consegue furar essa bolha que a doença mental cria em volta da gente e voltar pra vida em sociedade. Mas não são muitos e eu certamente não sou um deles. Olha que eu andei por aí, tentei vários tipos de tratamentos e abordagens. E nada. Estou no buraco negro, sem perspectiva de sair.
Teve uma época que eu participei dos movimentos sociais. E cheguei mesmo a acreditar que havia uma saída coletiva pros problemas individuais. Que a gente se reunir com outras pessoas que tivessem passado por sofrimentos semelhantes aos nossos poderia mostrar novas formas de ver a vida. E que isso fortaleceria a gente, daria coragem pra se reerguer. Essa Associação de Usuários e Familiares é mais uma tentativa dessas.
Mas eu caí mais uma vez e não vi nenhuma ajuda útil desde então. O problema com o movimento social da saúde mental é que ele é organizado e dirigido pelos profissionais da saúde. Pessoas que, mesmo quando bem intencionadas, já estão ganhando o seu dinheiro graças ao surto alheio. E até falam em geração de renda pros usuários. Mas é tudo muito frágil, insipiente. A renda gerada nessas oficinas é bem pouca. E não atinge as necessidades de quem queira fazer um vôo um pouquinho mais alto, se dá para os que querem pouco. Não tem lugar pra usuário classe média no movimento social ou no caps. Esses problemas, a Associação de Usuários e Familiares em âmbito estadual poderia ajudar a resolver. Trocando experiências entre as associações municipais. Nesse momento, a partir da minha experiência em duas gestões junto a associação amealoucamente, vejo alguns desafios para as Associações:

· Descobrir de onde se pode conseguir fontes de financiamento, para: as oficinas, participação dos usuários nos eventos, da manutenção de representantes no controle social e que ela possa ter sede própria, desvinculada do caps.
· Descobrir como se consegue motivar os usuários para que eles participem das ações da associação, trazendo sua experiência e sugestões e participando animadamente das atividades
· Ampliar o campo de atuação para que a associação trabalhe com a saúde mental de todo o município e não só dos usuários do caps.
· Criar laços com outros movimentos sociais, para fortalecer a solidariedade e a troca de experiências entre a saúde mental e os outros.

Todo mundo ganha dinheiro com a loucura, menos os loucos. Então a verdade é que somos excluídos, jogados fora, não tem lugar no mundo pra nós, porque não produzimos nem consumimos. E nesse mundo a gente vale pelo que a gente tem de dinheiro (no fundo eu custo a acreditar nisso, mas a realidade me atropelou, como eu disse). Eu estou ainda tentando mudar um pouco isso, essa minha sensação de não ter valor, oferecendo minhas idéias e experiências para compartilhar nos eventos e na produção intelectual em torno do fenômeno loucura. Mas eu acho que nessas alturas do campeonato eu deva ser remunerado pra isso. Não tenho encontrado muito espaço. Quem sabe no futuro as pessoas, leia-se trabalhadores da saúde mental, reconheçam meu valor, meu trabalho e minhas necessidades. Existe uma exceção, que e é o Jeferson. Eu não estou participando desse evento porque a organização não viu interesse em me remunerar. Mas graças a um pedido do Jeferson para que escrevesse umas palavras, devidamente remunerado, aqui vai minha participação.
Desejo que os que fizerem parte dessa Associação consigam realizar algumas mudanças. O trabalho é de formiga mesmo. Talvez nem seja pra gente ver. Mas temos que reconhecer que já foi mais difícil. Já teve fogueira, eletro-choque, internação pro resto da vida. Aliás, essas coisas ainda acontecem em alguns lugares.
Neste momento um passo interessante seria a criação de algum canal de comunicação entre as associações dispostas a participar da Associação estadual. Isso poderia se fazer via internet ou pelo correio comum.
Também seria interessante discutir que formato essa associação deve ter, se é o momento de oficializar, registrar em cartório, com toda documentação e custos que isso exige, ou de ir realizando alguns encontros e atividades pra amadurecer a participação dos associados. Pra que eles percebam quais são as principais reivindicações e como se pode resolvê-las.
Quem sabe é o momento de perceber a importância dos espaços do controle social, principalmente do Conselho Estadual de Saúde e do Colegiado de Saúde Mental. A grande pergunta seria: como está andando a saúde mental no Estado de Santa Catarina hoje? Uma dica pra quem quiser se envolver com o controle social do SUS, é ter a capacidade de entender como funciona o financiamento. Quem souber onde está o dinheiro, saberá onde está a política estadual de saúde mental. Infelizmente o assunto é espinhoso e entendê-lo é um grande desafio. Mas quem sabe alguém, algum familiar ou usuário que tenha conhecimentos em contabilidade, possa se oferecer pra aprender e explicar para os outros.
Eu tenho um sonho de transformar a Colônia Santana num mega caps, com muita cultura e geração de renda. Vi fazerem isso na cidade de Campinas. É possível. Acreditem. Esse é um trabalho da Associação Estadual, já que o ipq faz parte do governo estadual. Tem uma outra coisa que me incomoda, é o fato de São José ser o único município grande de Santa Catarina, que não possui CAPS. Isso é uma vergonha. Isso é subserviência política aos manicomiais donos de hospitais da área.
Também se poderia começar a pensar num banco de dados com as informações primordiais dos Associados em todo o estado.
Quem sabe um boletim informativo, que poderia ser distribuído nos Caps e principais postos de saúde de cada município associado, trazendo textos e desenhos dos usuários e familiares. A iniciativa privada poderia participar, através de pequenos anúncios, para financiar a elaboração e distribuição do boletim.
A Associação Estadual poderia fazer um concurso cultural para divulgação da lei 10.216.
Enfim, são algumas sugestões que trago pra vocês.
Então eu fico aqui de longe desejando boa sorte e sonhando que a Associação possa me contratar pra dar alguns cursos e consultoria. Seria bom pra todos, porque forçaria uma organização mais madura da Associação e eu me sentiria reconhecido no meu trabalho.
Muito obrigado