Geraldo, Dulce, eu realmente amo vocês. Amo a clareza das palavras. Amo o quanto a gente pode sentir o coração de vocês batendo sob as palavras. E contra essa força, esse amor, não tem poder no mundo que possa desconstruir. Essa nossa trama, esse tecido, feito de lágrimas, sorrisos, horas de espera, desespero, mas horas de descoberta, crescimento. Principalmente, depois desses anos juntos, a muito preciosa sensação de que não estamos sozinhos. Acho que o maior mal, a verdadeira doença na saúde mental é a solidão. E isso a gente aprende a mudar dentro do movimento social. Que não é feito só de relatórios, né Geraldo, né Dulce. É feito de abraços, de carinho, de calor, de afetividade.
Ontem o pai me disse que não existe mais nenhum hospital em Santa Catarina que queira me receber hoje. Só a Colônia Santana, que é do SUS (não sei porque ela quer?) E um outro em Blumenau, que é famoso por ter o nosso querido eletrochoque. E o Geraldo lembra sobre o corporativismo. O pai não quis me dizer como ou por quem ele foi informado, pelos senhores psiquiatras de Santa Catarina, que o meu destino por aqui agora é a clara tortura. Eu disse pra ele que não tinha medo. Ele disse pra mim que tinha muito medo. Eu disse pra ele que tinha gente Brasil afora que tava de olho em mim. É disso que eu falo, quando lembro desse milagre que é sair da solidão, do isolamento. Se querem me torturar, se querem me dar choque, se querem calar minha boca, me matar por dentro, ou por fora... Que matem. Não seria em vão. Eu botei meu tijolinho nessa estrada da reforma. Não tenho vocação pra mártir, que fique claro. Mas eu sei que faço parte de um grupo de bravos. De pessoas que a vida, por mais sofrida que tenha sido, não conseguiu matar a esperança.
A luta, senhores psiquiatras, não se faz apenas nas conferências de saúde mental, nos encontros do movimento, nas audiências com ministros, nos gabinetes e consultórios. A luta maior está dentro da gente. Na nossa capacidade de digerir o empenho dos senhores em faturar com o nosso sofrimento. Com a sede de poder que os senhores tem, de governar a vida dos chamados loucos, suas famílas e também dos caminhos que as políticas públicas devem seguir. Eu sei que os senhores não se contentam mais com o dinheiro. Com o caviar, as viagens internacionais, o luxo que a gente viu no congresso brasileiro de psiquiatria aqui em floripa. Os senhores querem sugar toda a vida que nós temos. Querem ser reconhecidos publicamente como os guardiões da sanidade, da saúde mental. E nós, os loucos, com nossa hipersensibilidade, percebemos bem o tipo de mundo que vivemos. Com o planeta sendo destruído rapidamente em nome do prazer imediato. Com as paixões tristes do consumismo desenfreado. Claro que quando digo isto, não estou generalizando. Afinal, toda a unanimidade é burra. Nossa luta é contra esse senhores que se colocam no papel de juízes da razão. E são tantos e são muitos.
Mas esse desabafo fica por aqui.
Amo vocês, guerreiros da luta antimanicomial. E mesmo quando a nuvem negra insiste em me acompanhar, mesmo na hora da dor sem nome. Sei que posso sempre, sempre, contar com uma luz no fim do túnel, que se chama acolhimento. Com o coração numa mão e a doçura no sorriso dos companheiros. A luta continua. Sempre continuará.
Beijo do Nilo
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