sexta-feira, dezembro 10, 2010

Querida professora Analice e demais companheiras,
Mais uma vez, aprendemos com vocês. Estamos cientes de que não
se pode separar clínica e politica, pois que, a política se faz presente,
sempre, em todos os nossos atos. E quem desqualifica isso, não vive
neste mundo! Política e poder são inerentes, uma a outra. Esta é a grande
disputa que está em jogo, a partir da ABP, haja vista, a entrevista do
seu novo presidente, a qual, comentamos abaixo, reformulando um texto
nosso, anteriormente enviado.
Parabéns, querida professora e obrigado por sua citação
Geraldo e Dulce
 
A GUERRA SANTA DA ABP (Nossas considerações)De forma alguma, as políticas públicas não podem, jamais, ser contrárias
aos médicos. O que nos parece é que, uma linha da psiquiatria é que é
contrária às políticas públicas. Paira no ar, um espectro de
"privatização" na saúde mental. Somos apenas dois familiares, porém, intensamente envolvidos há quase trinta anos, nas questões relativas à saúde mental, antes mesmo, de se cogitar sobre reforma psiquiátrica, movimento, CAPS e etc. e tal. Temos dois filhos esquizofrênicos: Dulce, mãe de Sylvio Luiz e Geraldo, pai de André Luiz, falecido em 31 de outubro de 2010, no sofá de sua casa, diante de mim, e não dentro de um hospital psiquiátrico. Portanto, sabemos muito bem do que estamos falando. Não aceitamos mistificação, seja de que lado for ou, de forma alguma. O que iremos declarar, é a afirmação e o
sentimento de toda uma vida. Não estamos sendo manipulados e, jamais nos
serviríamos para esse tipo de jogo. Trata-se de uma experiência legítima e
absolutamente pessoal, e não, de idéias abstratas.
Os psiquiatras dispensam tal defesa, exarada na entrevista deste senhor, pois, são profissionais com um nível científico-acadêmico diferenciado. Então, devem saber muitíssimo bem como lidar com as questões relativas às políticas públicas em saúde mental. Conhecemos muito bem, o Dr. Antonio Geraldo da Silva. Já ouvimos e lemos, em inúmeras oportunidades, essa cantilena massacrante e destruidora, com que esse senhor continua atacando, sem dó nem piedade e, sem o menor respeito, aos pacientes, que diz defender, tudo o que foi construído ao longo destes últimos vinte anos, procurando, a qualquer custo, trazer de volta os dias negros do manicômio. Sabemos, com muita clareza e, existem provas contundentes de que, o hospital psiquiátrico, por mais moderno que seja, NÃO TRATA! Existem novas formas de se abordar e de se tratar à saúde mental. A psiquiatria é, somente, uma delas.
Acreditamos que o prezado doutor não tenha relido sua entrevista, quando fala em interesses "ideológicos e corporativistas". Corporativismo? Interesses ideológicos? Interesse de quem? Custa-nos crer! Quem merece vestir essa carapuça, salvo, a própria ABP? Nem todos os psiquiatras pensam dessa forma. Conhecemos muitos, inúmeros psiquiatras que discordam, peremptoriamente, dessa afirmação, tão descabida. Isso tudo é mais uma grande chantagem, que vem sendo usada como se se tratasse de uma unanimidade, como uma posição de um "clube" único e... muito fechado. E porque os movimentos sociais não podem estar presentes nessas questões? Porque? Os movimentos sociais referentes à saúde mental, são basicamente compostos por usuários e seus familiares, incluindo-se aí, simpatizantes e muitos técnicos solidários, inclusive, muitos psiquiatras. Portanto, existe sim, um justo envolvimento de usuários, familiares e técnicos, pertencentes aos movimentos sociais.
O que dizer do presidente da ABP defendendo a Lei 10.216, agora?  Essa mesma lei que foi massacrada, vilipendiada, execrada, desde a sua aprovação, em 2001, até os dias recentes e, desde muito antes, desde o primeiro projeto de lei, há vinte anos atrás, pela ala mais radical e conservadora da psiquiatria?
A humanização (palavra perigosa, esta) não se refere apenas, à psiquiatria. Nós todos somos humanos, demasiadamente humanos. Quem define a "humanização" ou não, do tratamento, é o usuário, o familiar e, às vezes, o profissional, desde que, engajado nessa nova perspectiva, nessa nova visão. Esse julgamento não cabe, nem ao ministério, nem à ABP.
O discurso da reforma psiquiátrica foi assimilado por todos, portanto, hoje em dia, ninguém mais é contra ela. O que esta acontecendo, evidentemente, é uma disputa pelo poder, mais do que evidente!  Esta é a grande questão. Por mais que se queira desviar o foco de atenção, é o PODER que está em jogo! Só os muito ingênuos estão deixando de perceber isso. Está-se criando uma ruptura na saúde mental, com interesses pessoais, estes sim, corporativistas. Existe uma duplicidade nesse inacreditável discurso, do Dr. Antonio Geraldo. Ambos os nossos filhos, portadores de transtornos da mais alta complexidade, repetimos, esquizofrenia-paranóide, são, foram e serão tratados, sempre, invariavelmente, nesses serviços,  que ora estão sendo considerados, como uma unanimidade dentro da ABP, como sendo incapazes para o atendimento de "determinados diagnósticos".
Existe um erro em se chamar os CAPS de símbolo, conforme declaração do presidente da ABP. Eles não representam um símbolo, mas são, na realidade, as âncoras para o tratamento humanizado. Não são soluções fáceis, nem fictícias.
Essa entrevista do senhor doutor Geraldo Antonio da Silva, de um voluntarismo exacerbado, nos dá a oportunidade de, enfim, conhecer a verdadeira face de uma ala da ABP, a qual, finalmente, ele conseguiu presidir. Ao que nos parece, a solução definitiva de todos os problemas da saúde mental, está em suas mãos... Existe uma grande má-fé, em dizer-se que o  acolhimento noturno é um eufemismo para internação. Nem vamos entrar no mérito desta discussão. É evidente que lá, exista uma equipe multidisciplinar, contando, inclusive, com médicos psiquiatras da maior importância e, reconhecidamente capazes, senão, não teríamos a tranqüilidade para deixar lá, nossos filhos.
Nós, na condição de familiares, já estamos profundamente decepcionados com esse manifesto do senhor Antonio Geraldo, o novo presidente da ABP, falando em ideologia e corporativismo. Novamente, nesse mesmo texto. Lamentável... Insistimos, mais uma vez: Nesse cenário, quem é que está defendendo o corporativismo?
NÓS, sabemos muito bem do que estamos falando!"
Geraldo e Dulce
Familiares da Saúde Mental
Membros do núcleo paulista da Abrasme
Geraldo, Dulce, eu realmente amo vocês. Amo a clareza das palavras. Amo o quanto a gente pode sentir o coração de vocês batendo sob as palavras. E contra essa força, esse amor, não tem poder no mundo que possa desconstruir. Essa nossa trama, esse tecido, feito de lágrimas, sorrisos, horas de espera, desespero, mas horas de descoberta, crescimento. Principalmente, depois desses anos juntos, a muito preciosa sensação de que não estamos sozinhos. Acho que o maior mal, a verdadeira doença na saúde mental é a solidão. E isso a gente aprende a mudar dentro do movimento social. Que não é feito só de relatórios, né Geraldo, né Dulce. É feito de abraços, de carinho, de calor, de afetividade.

Ontem o pai me disse que não existe mais nenhum hospital em Santa Catarina que queira me receber hoje. Só a Colônia Santana, que é do SUS (não sei porque ela quer?) E um outro em Blumenau, que é famoso por ter o nosso querido eletrochoque. E o Geraldo lembra sobre o corporativismo. O pai não quis me dizer como ou por quem ele foi informado, pelos senhores psiquiatras de Santa Catarina, que o meu destino por aqui agora é a clara tortura. Eu disse pra ele que não tinha medo. Ele disse pra mim que tinha muito medo. Eu disse pra ele que tinha gente Brasil afora que tava de olho em mim. É disso que eu falo, quando lembro desse milagre que é sair da solidão, do isolamento. Se querem me torturar, se querem me dar choque, se querem calar minha boca, me matar por dentro, ou por fora... Que matem. Não seria em vão.  Eu botei meu tijolinho nessa estrada da reforma. Não tenho vocação pra mártir, que fique claro. Mas eu sei que faço parte de um grupo de bravos. De pessoas que a vida, por mais sofrida que tenha sido, não conseguiu matar a esperança.

A luta, senhores psiquiatras, não se faz apenas nas conferências de saúde mental, nos encontros do movimento, nas audiências com ministros, nos gabinetes e consultórios. A luta maior está dentro da gente. Na nossa capacidade de digerir o empenho dos senhores em faturar com o nosso sofrimento. Com a sede de poder que os senhores tem, de governar a vida dos chamados loucos, suas famílas e também dos caminhos que as políticas públicas devem seguir. Eu sei que os senhores não se contentam mais com o dinheiro. Com o caviar, as viagens internacionais, o luxo que a gente viu no congresso brasileiro de psiquiatria aqui em floripa. Os senhores querem sugar toda a vida que nós temos. Querem ser reconhecidos publicamente como os guardiões da sanidade, da saúde mental. E nós, os loucos, com nossa hipersensibilidade, percebemos bem o tipo de mundo que vivemos. Com o planeta sendo destruído rapidamente em nome do prazer imediato. Com as paixões tristes do consumismo desenfreado. Claro que quando digo isto, não estou generalizando. Afinal, toda a unanimidade é burra. Nossa luta é contra esse senhores que se colocam no papel de juízes da razão. E são tantos e são muitos.

Mas esse desabafo fica por aqui.

Amo vocês, guerreiros da luta antimanicomial. E mesmo quando a nuvem negra insiste em me acompanhar, mesmo na hora da dor sem nome. Sei que posso sempre, sempre, contar com uma luz no fim do túnel, que se chama acolhimento. Com o coração numa mão e a doçura no sorriso dos companheiros. A luta continua. Sempre continuará.

Beijo do Nilo