DESASSOSSEGADOS:
Por Nilo Neto
Segundo o jesuíta e paleontólogo francês, Pierre Theilard de Chardin (1881-1955), a Humanidade caminha no sentido de uma evolução “universal”, isto é, faz parte de um processo que se dá na natureza, no mundo, em todo lugar. Esta ascensão à esfera do “espírito humano”, do pensamento, do compartilhamento de idéias, de mentes (nous), resultará numa novíssima etapa de convívio e aprendizado para a Humanidade: marcará o início do estágio “evolutivo” da Noosfera, da plenitude de uma consciência solidária, de uma inteligência coletiva.
Outro pesquisador francês, Piérre Levy (1956 -) avistou a possibilidade da construção desta noosfera através da rede mundial de computadores. A base material que permitiria a instalação de um cenário assim já está disponível: são os computadores e a Internet, e o desenvolvimento de novos métodos e novas tecnologias de comunicação à distância vão, cada vez mais, ampliar o espectro de soluções para a integração dos povos do planeta. Além disso, a partir da base já instalada, inúmeras iniciativas vêm demonstrando a capacidade de organização e difusão de idéias e propostas, integrando o mundo real com o “virtual” a fim de colaborar para mudar, para melhorar a vida das pessoas
Eduardo Mourão de Vasconcelos, pesquisador brasileiro da Fiocruz, ao tratar do “empowerment” dos usuários de serviço de saúde mental, no Caderno de Textos da III Conferência Nacional de Saúde Mental, ocorrida em Brasília, 2002, elenca uma série de
iniciativas, projetos e formas organizativas liderados ou assumidos de forma autônoma e independente pelos usuários e familiares:
a) ajuda mútua: já conhecemos no Brasil os grupos do tipo Alcóolicos
Anônimos (AA), Neuróticos Anônimos e organizações similares. Constituem grupos de
troca de experiências, ajuda emocional e discussão das diferentes estratégias de lidar
com os problemas comuns. São dispositivos importantes, principalmente se não isolados
em si mesmos e se forem acoplados a outros tipos de iniciativas, como as descritas a
seguir.
b) suporte mútuo: a partir das reuniões de ajuda mútua, é possível se
desenvolver atividades e iniciativas de cuidado e suporte concreto na vida cotidiana,
compreendendo desde, por exemplo, passeios e atividades de lazer e cultura nos fins de
semana; cuidado informal do outro que se encontra em maior dificuldade; ajuda nas
tarefas diárias na casa e fora dela; suporte a familiares que precisam de uma “folga” para
descansar ou viajar, assumindo-se o cuidado do usuário; até o desenvolvimento de
projetos comuns mais complexos em várias áreas: dispositivos residenciais, trabalho
para os usuários, cuidado domiciliar, acompanhamento, telefone de serviço de suporte
pessoal, clubes sociais e elaboração de cartilhas informativas e educativas para temas
relevantes (tais como efeitos colaterais de remédios, direitos, serviços, experiências
bem-sucedidas, como organizar um grupo de ajuda mútua, etc).
Desde janeiro de 2004, venho participando com um grupo de discussão na Internet, chamado DESASSOSSEGO. A proposta é a de reunir portadores do transtorno afetivo bipolar, familiares e amigos, para estabelecer trocas de experiências e criar uma rede de proteção mútua para situações de risco. Além disso, minha convivência com o grupo fez perceber que passamos a trocar também afetivamente e falamos muito mais do que apenas de doenças e tratamentos, para discutir temas como: família, filhos, suicídio, trabalho, futuro, poesia, amor, sexo, temas do cotidiano, política, mega-sena, carnaval, natal e muito mais. Também daí já surgiram outras iniciativas, como a criação de um blog coletivo, para expor arte e criatividade dos participantes, publicação de partes dos diálogos estabelecidos, troca de telefones para emergências psiquiátricas e a criação de um grupo de interferência política e social, para lutar pelos direitos dos portadores a um tratamento de qualidade, com medicação de alto custo subvencionada pelo governo.
No presente artigo vamos amadurecer essas possibilidades, trazendo um pouco de luz sobre a interação da virtualidade gerada na internet e o empoderamento destes portadores de transtorno mental, rumo a uma vida mais digna e saudável.
Também pretendemos perceber a influência da virtualidade e do anonimato no comportamento dos indivíduos do grupo, alterando a ética das relações estabelecidas e permitindo a manifestação de muitos que, levados pelo estigma da doença mental, não se o fariam em outro locus.
Se compreendermos o transtorno afetivo bipolar como uma doença mental universal e que existe há muitos séculos (visão tradicional da ciência e da psiquiatria) e o fato dos membros do grupo viverem em diferentes lugares do Brasil e de Portugal, em que medida essas diferenças geográficas interferem no tratamento e na vida dos “bipolares”? E as condições de acesso ao tratamento muda também a efetividade deste, tomando por base as políticas públicas de saúde em cada região?
O grupo é constituído por: pessoas de 20 a 50 anos de idade, homens e mulheres, brasileiros e portugueses. Foi criado em 22 de janeiro de 2001. Até 17 de fevereiro de 2004 foram 5.171 mensagens trocadas. No momento possui 56 membros. O grupo era aberto, ou seja, qualquer um poderia entrar e participar, mas desde dezembro de 2003, passou a ser fechado, necessitando de aprovação do proprietário ou moderadores para ter acesso. O grupo possui 1 proprietário e 4 moderadores.
Durante os dias: 11, 12 e 13, 14 e 15 de fevereiro de 2004, os temas debatidos no grupo e número de vezes que foram citadso:
· Trabalho da UFSC: 9
· Empoderameto (nada sobre nós, sem nós): 9
· Antimanicomial: 3
· Custo de tratamento: 3
· Auto ajuda (textos): 3
· Anos 80 (tema geral): 2
· Blog bipolar: 10
· Medicação: 2
· Papel do psiquiatra
· Exames
Total de Mensagens no período: 36
Sites pesquisados:
http://br.groups.yahoo.com/group/desassossego
http://www.novae.inf.br/exclusivas/pierrelevy.htm
http://www.inverso.org.br/index.php?action=/content/view&cod_objeto=35
Um comentário:
Gostaria de saber como faço para solicitar entrada neste grupo de ajuda de bipolares. Sou bipolar e estou a procura de ajuda e de pessoas semelhantes a mim neste problema para não me sentir tão só.
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