terça-feira, junho 01, 2004

Manifesto


Meu senso de liberdade é tão desesperado, quanto precoce.

Recordando com meus pais, reagia com vigor, já na mais tenra idade, a qualquer tentativa de contenção. Há inclusive episódio na memória da família, quando eu ainda recém aprendia a andar. Para poder dar conta das tarefas cotidianas, minha mãe colocou-me num quarto, com cercadinho de madeira, que me impedia de caminhar livremente pela casa, causando pequenos transtornos. Dizem eles, não me conformei enquanto não a tiraram, chacoalhando a tal cerca, até que me livrassem.

Mais tarde, o amor profundo pelo vento. Força da natureza que até hoje me faz parar e, sem qualquer tipo de pensamento, aproveitar as sensações por ele provocadas.

Então companheiros, compreendam a minha indignação por ver portadores de transtornos presos, sem julgamento, pelo crime de ter uma doença mental, nos muitos hospícios desse Brasil. E ainda são mais de 60.000 em pleno ano de 2002. Isso, para lembrar os muitos companheiros torturados e mortos nestes mesmos locais infernais, denunciados pelo jornalista Milton Mendes, no livro: A Instituição Sinistra: Mortes Violentas em Hospitais Psiquiátricos no Brasil, organizado pelo Conselho Federal de Psicologia e o famoso "Canto dos Malditos", do não menos brilhante Austregésilo Carrano.

Por favor, respeitem minha indignação.

Falo em nome dos que foram excluídos, explorados e roubados em todos os sentidos, por estes senhores, barões da indústria da loucura. Falo em nome dos que foram destituídos dos mais básicos direitos humanos: para dar lucro aos donos dos hospitais psiquiátricos, da indústria farmacêutica e aos governantes que concordaram com todas estas barbaridades. (e ainda concordam)

A morte da cidadania, da liberdade, é mais terrível que a morte do corpo. Chega dos mortos-vivos gerados no interior dos manicômios, pelo total abandono e falta de tratamento médico digno.

Chega do desperdício de talentos e desejos, pelo rótulo preconceituoso e inútil, que recebemos em alguns consultórios de profissionais de saúde e hospícios. Nós podemos, sim, encontrar nosso espaço dentro da vida. Somos capazes e queremos ser ouvidos.

Não queremos caridade, queremos oportunidade.

Somos os mais sensíveis às doenças sociais e da família. Não aceitamos mais pagar o preço dos erros coletivos.

Respeitem nossas indicações do que já não funciona. Aproveitem nossa luz. Sempre existimos e não deixaremos impune, a vontade dos muitos infelizes poderosos, de nos fazerem calar.

Até quando teremos que anestesiar nossas capacidades, para suportar viver nessa estrutura social incapaz de satisfazer aos desejos mais simples da maioria, como: casa, comida e habilidade para sonhar?

Minha ira é fundada e compatível.

Não me acusem de louco, de bipolar.

Não preciso da bondade e da piedade de vocês.

Preciso, sim, do apoio incondicional, da solidariedade e da vontade de lutar contra toda essa vergonha, para acabar de vez com essa verdadeira miséria humana.

Pelo fim dos manicômios, hospitais e clínicas psiquiátricas.

Pelo fim dos muros, preconceitos e tratamentos prisionais para portadores de transtorno mental que não cometeram crime algum.

Pela rede substitutiva de atenção psicossocial, pela autonomia, liberdade e cidadania dos usuários de serviços de saúde mental do SUS.

Pelo fim do eletro-choque.

Pelo fim do comércio e lucro sobre a dor humana, a doença e o sofrimento de qualquer tipo.

Exija do seu Prefeito, Vereador, que se construa uma rede de atenção psicosocial no seu município.

Divulgue e faça valer a lei federal 10.216/01, a lei da reforma psiquiátrica no Brasil. Ela é a garantia de uma vida melhor para todos nós.



Nilo Marques de Medeiros Neto

Usuário de Seviço de Saúde Mental do SUS (Sistema Único de Saúde)

Um comentário:

Anônimo disse...

Absolutamente apoiado, me vi em seu relato
se quiser entrar em nosso grupo yahoo moderado
http://groups.yahoo.com/group/mente_inquieta....precisamos de uma contribuição de peso como a sua
[]s
Paula