terça-feira, abril 24, 2007

(texto preparado a pedido, para fazer parte das discussões do Fórum Catarinense de Saúde Mental, ocorrido em Brusque, SC, abril de 2007)

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Queridos amigos e amigas, usuários e familiares da saúde mental em Santa Catarina

Eu sinceramente acho que não tem jeito mesmo. Que a gente nasce pra sofrer, num mundo desgraçado e que o melhor é aprender a sofrer calado, que é pra não chatear muito quem tiver em volta. É claro que tem gente que consegue furar essa bolha que a doença mental cria em volta da gente e voltar pra vida em sociedade. Mas não são muitos e eu certamente não sou um deles. Olha que eu andei por aí, tentei vários tipos de tratamentos e abordagens. E nada. Estou no buraco negro, sem perspectiva de sair.
Teve uma época que eu participei dos movimentos sociais. E cheguei mesmo a acreditar que havia uma saída coletiva pros problemas individuais. Que a gente se reunir com outras pessoas que tivessem passado por sofrimentos semelhantes aos nossos poderia mostrar novas formas de ver a vida. E que isso fortaleceria a gente, daria coragem pra se reerguer. Essa Associação de Usuários e Familiares é mais uma tentativa dessas.
Mas eu caí mais uma vez e não vi nenhuma ajuda útil desde então. O problema com o movimento social da saúde mental é que ele é organizado e dirigido pelos profissionais da saúde. Pessoas que, mesmo quando bem intencionadas, já estão ganhando o seu dinheiro graças ao surto alheio. E até falam em geração de renda pros usuários. Mas é tudo muito frágil, insipiente. A renda gerada nessas oficinas é bem pouca. E não atinge as necessidades de quem queira fazer um vôo um pouquinho mais alto, se dá para os que querem pouco. Não tem lugar pra usuário classe média no movimento social ou no caps. Esses problemas, a Associação de Usuários e Familiares em âmbito estadual poderia ajudar a resolver. Trocando experiências entre as associações municipais. Nesse momento, a partir da minha experiência em duas gestões junto a associação amealoucamente, vejo alguns desafios para as Associações:

· Descobrir de onde se pode conseguir fontes de financiamento, para: as oficinas, participação dos usuários nos eventos, da manutenção de representantes no controle social e que ela possa ter sede própria, desvinculada do caps.
· Descobrir como se consegue motivar os usuários para que eles participem das ações da associação, trazendo sua experiência e sugestões e participando animadamente das atividades
· Ampliar o campo de atuação para que a associação trabalhe com a saúde mental de todo o município e não só dos usuários do caps.
· Criar laços com outros movimentos sociais, para fortalecer a solidariedade e a troca de experiências entre a saúde mental e os outros.

Todo mundo ganha dinheiro com a loucura, menos os loucos. Então a verdade é que somos excluídos, jogados fora, não tem lugar no mundo pra nós, porque não produzimos nem consumimos. E nesse mundo a gente vale pelo que a gente tem de dinheiro (no fundo eu custo a acreditar nisso, mas a realidade me atropelou, como eu disse). Eu estou ainda tentando mudar um pouco isso, essa minha sensação de não ter valor, oferecendo minhas idéias e experiências para compartilhar nos eventos e na produção intelectual em torno do fenômeno loucura. Mas eu acho que nessas alturas do campeonato eu deva ser remunerado pra isso. Não tenho encontrado muito espaço. Quem sabe no futuro as pessoas, leia-se trabalhadores da saúde mental, reconheçam meu valor, meu trabalho e minhas necessidades. Existe uma exceção, que e é o Jeferson. Eu não estou participando desse evento porque a organização não viu interesse em me remunerar. Mas graças a um pedido do Jeferson para que escrevesse umas palavras, devidamente remunerado, aqui vai minha participação.
Desejo que os que fizerem parte dessa Associação consigam realizar algumas mudanças. O trabalho é de formiga mesmo. Talvez nem seja pra gente ver. Mas temos que reconhecer que já foi mais difícil. Já teve fogueira, eletro-choque, internação pro resto da vida. Aliás, essas coisas ainda acontecem em alguns lugares.
Neste momento um passo interessante seria a criação de algum canal de comunicação entre as associações dispostas a participar da Associação estadual. Isso poderia se fazer via internet ou pelo correio comum.
Também seria interessante discutir que formato essa associação deve ter, se é o momento de oficializar, registrar em cartório, com toda documentação e custos que isso exige, ou de ir realizando alguns encontros e atividades pra amadurecer a participação dos associados. Pra que eles percebam quais são as principais reivindicações e como se pode resolvê-las.
Quem sabe é o momento de perceber a importância dos espaços do controle social, principalmente do Conselho Estadual de Saúde e do Colegiado de Saúde Mental. A grande pergunta seria: como está andando a saúde mental no Estado de Santa Catarina hoje? Uma dica pra quem quiser se envolver com o controle social do SUS, é ter a capacidade de entender como funciona o financiamento. Quem souber onde está o dinheiro, saberá onde está a política estadual de saúde mental. Infelizmente o assunto é espinhoso e entendê-lo é um grande desafio. Mas quem sabe alguém, algum familiar ou usuário que tenha conhecimentos em contabilidade, possa se oferecer pra aprender e explicar para os outros.
Eu tenho um sonho de transformar a Colônia Santana num mega caps, com muita cultura e geração de renda. Vi fazerem isso na cidade de Campinas. É possível. Acreditem. Esse é um trabalho da Associação Estadual, já que o ipq faz parte do governo estadual. Tem uma outra coisa que me incomoda, é o fato de São José ser o único município grande de Santa Catarina, que não possui CAPS. Isso é uma vergonha. Isso é subserviência política aos manicomiais donos de hospitais da área.
Também se poderia começar a pensar num banco de dados com as informações primordiais dos Associados em todo o estado.
Quem sabe um boletim informativo, que poderia ser distribuído nos Caps e principais postos de saúde de cada município associado, trazendo textos e desenhos dos usuários e familiares. A iniciativa privada poderia participar, através de pequenos anúncios, para financiar a elaboração e distribuição do boletim.
A Associação Estadual poderia fazer um concurso cultural para divulgação da lei 10.216.
Enfim, são algumas sugestões que trago pra vocês.
Então eu fico aqui de longe desejando boa sorte e sonhando que a Associação possa me contratar pra dar alguns cursos e consultoria. Seria bom pra todos, porque forçaria uma organização mais madura da Associação e eu me sentiria reconhecido no meu trabalho.
Muito obrigado

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