terça-feira, abril 06, 2004

Algumas considerações sobre o eletro-choque

Para além das discussões técnicas, até por que não sou especialista, gostaria de contribuir com algumas idéias sobre a luta pela proibição do uso da eletroconvulsoterapia (ECT), no Brasil.
Apesar da regulamentação recente, instituída pelo Conselho Regional de Medicina (RESOLUÇÃO CFM Nº 1.640/2002), vivemos num país marcado por imensas diferenças, inclusive: sociais, políticas e econômicas. Ali deparamo-nos com o velho erro da medicina dos dias de hoje, que nos divide em partes tratáveis, via especialidades, esquecendo que estamos inseridos num contexto muito maior. Vários outros fatores são essenciais na avaliação da atuação do psiquiatra e da psiquiatria, uma vez que estamos lidando com complexas interações humanas com o meio ambiente. Inclusive de caráter político, ideológico e econômico.
Esperar que a ECT aplicada na Escola Paulista de Medicina, tenham os mesmos: equipamento, acompanhamento e indicações, do Hospital Psiquiátrico Areolino de Abreu, em Teresina, é, para dizer o mínimo, uma temeridade. Lembro-me daquele senhor, já de alguma idade, que ao sentar-se ao meu lado numa palestra do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado em Florianópolis em 2002. Depois de apresentar-se com psiquiatra do Ceará, dizia sem pudor que eletro-choque para punir paciente rebelde, era muito eficaz e que ele continuava aplicando muitos em seu hospital. É a esse tipo de profissional que estamos sujeitos a ser tratados, nós pobres loucos brasileiros. E não vai aqui nenhuma crítica ao espírito “coronelista” dos nossos irmãos nordestinos. Conheço alguns grandes psiquiatras que militam naquelas bandas. Poderia citar o Dr. Celso em Teresina e o Dr. Nacile em Fortaleza.
Penso na pena de morte. Penso no sistema legal norte-americano. Penso nos que foram executados indevidamente, apesar do esforço da busca da verdade. Penso na pena de morte no Brasil. Executada diariamente em várias delegacias, quartéis, viaturas e no meio da rua. Sem juiz, tribunal ou apelação.
Será que ainda vale a pena arriscar manter um dispositivo tão antiquado, mesmo que seja para atender a alguns tipos muito específicos de tratamento, quando os pacientes não tiverem sucesso com os psicotrópicos e a grande gama de possibilidades disponíveis hoje? Parece risco demais, para validar os casos bem sucedidos.
Temos sim, pessoas que ainda não compreenderam o que é o chamado tratamento invasivo, dos quais a ECT me parece um dos mais violentos. Temos então a nossa lei da reforma psiquiátrica falando nisso, a Lei Federal 10.216, art 2º, par. Único, VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis.
Temos também a deliberação nº 26, da III Conferência Nacional de Saúde Mental, Brasília, 2001, que assim recomenda, para as direções das políticas de saúde mental no Brasil, para os próximos anos:

· Abolir o eletro-choque, por ser prática de punição, de suplício e de desrespeito aos direitos humanos.

Assim como a moção nº 2, com grande número de assinaturas na mesma Conferência:

· Moção de repúdio à utilização da eletroconvulsoterapia (ECT) – determinar a abolição do eletro-choque nos cuidados da saúde mental, assim como exigir a retirada do projeto de lei (hoje em tramitação), que regulamenta o seu uso.

Tivemos o imenso prazer de participar dessa Conferência, representando os usuários de Santa Catarina. Preciso testemunhar o grau de envolvimento de muitos brasileiros de variados recantos. Estima-se que durante o processo todos, incluindo as Conferências municipais, regionais e estaduais, tenham se envolvido mais de 30.000 pessoas, entre usuários, profissionais de saúde, familiares e gestores. A voz dessa grande quantidade de lutadores pela causa da atenção psicossocial, não pode ser calada com argumentos simplesmente cientificistas. Está mais do que na hora de dizer não para essa tortura disfarçada em tratamento.

Eis texto retirado da revista cérebro e mente. Quem quiser ler toda a matéria, vai aqui o endereço:
http://www.epub.org.br/cm/n04/historia/shock_i.htm
A Reação Contra o Eletrochoque
Como aconteceu com a psicocirurgia, a terapia por eletrochoque foi muitas vezes usada de forma polêmica. Em primeiro lugar, ocorreram muitos casos em que o eletrochoque era usado para subjugar e controlar pacientes em hospitais psiquiátricos. Pacientes problemáticos e rebeldes recebiam várias sessões de choque por dia, muitas vezes sem sedação ou imobilização muscular adequadas. O historiador médico David Rothman afirmou em uma reunião de Consenso Clínico do NIH sobre terapia por eletrochoque em 1985:

"A terapia por eletrochoque se destaca de forma praticamente solitária entre todas as intervenções médicas e cirúrgicas, no sentido em que seu uso impróprio não tinha a meta de curar, mas sim o de controlar pacientes para o benefício da equipe hospitalar"

Na década dos 70, começaram a surgir importantes movimentos contra a psiquiatria institucionalizada, na Europa e particularmente nos EUA. Juntamente com a psicocirurgia, a terapia por eletrochoque foi denunciada pelos partidários dos direitos humanos, e o mais famoso libelo de todos foi um romance escrito em 1962 por Ken Casey, baseado em sua experiência pessoal em um hospital psiquiátrico no Oregon. Intitulado "One Flew Over the Cuckoo's Nest", o livro foi posteriormente roteirizado em um filme de grande sucesso, dirigido pelo tcheco Milos Forman, que recebeu no Brasil o título de "Um Estranho no Ninho ", com o ator Jack Nicholson. Uma exposição desfavorável na imprensa e na TV desembocaram em uma série de processos jurídicos por parte de pacientes envolvidos em abusos da terapia por eletrochoque.
Em meados de 1970, a terapia por eletrochoque estava derrotada como prática terapêutica. Em seu lugar, os psiquiatras passaram a fazer um uso cada vez maior de novas drogas poderosas, tais como a torazina e outros fármacos antidepressivos e antipsicóticos.

Espero ter contribuído de alguma maneira para esclarecer meu ponto de vista sobre o assunto. Espero também que quanto antes, possam perceber as possibilidade de tratamento desumano, por detrás dessa abertura para “tratar” os portadores de transtornos mentais com a ECT. Já que não podemos afastar da medicina esses sádicos, vamos abolir o eletro-choque. Ah, e só para não perder o jeito, manicômio nunca mais.

Nilo Marques de Medeiros Neto
Militante da Luta Antimanicomial
Florianópolis, 21 de Novembro de 2002

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo texto..mt esclarecedor sobre os atuais metodos utilizados pela psiquiatria..
Aquela parte do medico do Ceara é q não concordei muito..não importa se é do nordeste ou sudeste sempre existem profissionais anti-eticos.
Sem contar que os medicos de lá(nordeste)sao em sua maioria gente formada no sul.Isso é fato.
Espero que o mais antes sejam descartos medotos tao desumanos e se em casos são eficaz que seja usado de maneira bem mais controlada...concordando com tal medotos desde modelo e feito uma inutilização da psicologia,e isso é + uma coisa q por + q os medicos tentem não vao descarta.
Psicologia é uma ciencia por si só HUMANA...E tenta cura o pasciente e n camuflar os sintomas atraves de remedios e outras coisas no mesmo perfil.
A LUTA Antimanicomial e maravilhosa...valoriza o ser humano enquanto gente...Manicomios tem que para de ser armazem de gente não aceito pela familia,tem que para de ser uma válvula de escape p quem n tem amor ou pai,mae....Esta + q provado q pascientes em ambiente familia,de amor...reagem bem,melhoram e até ficam boas.
O ser humano tem q ser + humano.
Parabéns pelo blog..muito esclarecedor mesmo.
valew