sexta-feira, abril 30, 2010

Darandina

Guimarães Rosa

De manhã, todos os gatos nítidos nas pelagens, e eu em serviço formal, mas, contra o devido, cá fora do portão, à espera do menino com os jornais, e eis que, saindo, passa, por mim e duas ou outras três pessoas que perto e ali mais ou menos ocasionais se achavam, aquele senhor, exato, rápido, podendo-se dizer que provísoríamente impoluto. E, pronto, refez-se no mundo o mito, dito que desataram a dar-se, para nós, urbanos, os portentosos fatos, enchendo explodidamente o dia: de chinfrim, afã e lufa-lufa.
- "O, seô! .. ." - foi o grito; senão se, de guerra: -"Ugh, sioux! . . ." - também cabendo ser, por meu testemunho, já que com concentrada ou distraída mente me encontrava, a repassar os próprios, íntimos qüiproquós, que a matéria da vida são. Mas: - "Oooh.. ." - e o senhor tão bem passante algum quieto transeunte apunhalara?! Isso em relance e instante visvi - vislumbrou-se-me. Não. Que só o que tinha sido - vice-vi mais: - pouco certeiro e indiscreto no golpe, um afanador de carteiras. Desde o qual, porém, irremediável, ia-se o vagar interior da gente, roto, de imediato, para durante contínuos espisódios.
- "Sujeito de trato, tão trajado.. ." - estranhava, surgíndo do carro, dentr'onde até então cochilara, o chofer do dr. Bílolo. - "A caneta-tinteiro foi que ele abafou, do outro, da lapela.. ." - depunha o menino dos jornais, só no vivo da ocasião aparecendo. Perseguido, entretanto, o homem corria que luzia, no diante do pé, varava pela praça, dava que dava. - "Pega!" Ora, quase no meio da praça, instalava-se uma das palmeiras-reais, talvez a maior, mesmo majestosa.
Ora, ora, o homem, vestido correto como estava, nela não esbarrou, mas, sem nem se livrar dos sapatos, atirou-se-lhe abraçado,, e grimpava-a, voraz, expedito arriba, ao incrível, ascensionalíssimo. -Uma palmeira é uma palmeira ou uma palmeira ou uma palmeira? - inquiriria um filósofo. Nosso homem, ignaro, escalara dela já o fim, e fino. Susteve-se.
- Esta! - me mexi, repiscados os olhos, em tento por me readquirir. Pois o nosso homem se fora, a prumo, a pino, com donaires de pica-pau e nenhum deslize, e ao topo se encarapitava, safado, sabiá, no páramo empíreo. Paravam os de seus perséquito, não menos que eu surpresos, detidos, aqui em nível térreo-, anta a infinita palmeira - muraLhavaz. O céu só safira: No chão, já nem se contando o crescer do ajuntamento, dado que, de toda a circunferência, acudiam pessoas e povo, que na praça se emagotava. Tanto nunca pënsei que uma multidão se gerasse, de graça, assim e instantânea.
Nosso homem, diga-se que ostentoso, em sua altura inopinada, floria e frutificava: nosso não era o nosso homem. - "Tem arte.. ." - e quem o julgava já não sendo o jornaleiro, mas o capelão da casa; quase com regozijo. Os outros, acolá, de infra a supra, empinavam insultos, clamando do demo e aqui-da-polícia, até se perguntava por arma de fogo. Além, porém, muito a seu grado, ele imitatívamente aleluiasse, garrida a voz, tonifluente; porque mírável era que tanto se fizesse ouvir, tudo apesar-de. Discursava sobre canetas-tinteiro? Um carnelô, portanto, atrevido na propaganda das ditas e estilógrafos. Em local de má escolha, contudo, pensei; se é que, por descaridosa, não me escandalizasse ainda a idéia de vir alguém produzir acrobacias e dislativas peloticas, dessas, justo em frente de nosso Instituto.
Extremamente de arrojo era o sucesso, em todo o caso, e eu humano; andei ver o reclamista. Chamavam-me, porém, nesse entremenos, e apenas o Adalgiso, sisudo ele, o de sempre, só que me pegando pelo braço. Puxado e puxando, corre que apressei-me, mesmo assim, pela praça, para o foco do sumo, central transtornamento. Com estarmos ambos de avental, davam-nos alguma irregular passagem. - "Como foi que fugiu?" - todo o mundo perguntando, do populacho, que nunca é muito tolo por muito tempo. Tive então enfim de entender, ai-me, mísero. - "Como o recapturar?" Pois éramos, o Adalgiso e eu, os internos de plantão, no dia infausto 'fantástico.
Vindo o que o Adalgiso, com de-curtas, não urgira em cochichar-me: nosso homem não era nosso hóspede. Instantes antes, espontâneo, só, dera ali o ar de sua desgraça
- "Aspecto e facies nada anormais, mesmo a forma e conteúdo da elocução a princípio denotando fundo mental razoável..." Grave, grave, o caso. Premia-nos a multidão, e estava-se na área de baixa pressão do ciclone. -"Disse que era são, mas que, vendo a humanidade já enlouquecida, e em véspera de mais tresloucar-se, inventara a decisão de se internar, voluntário: assim, quando a coisa se varresse de infernal a pior, estaria já garantido ali, com lugar, tratamento e defesa, que, à maioria, cá fora, viriam a fazer falta..." - e o Adalgiso, a seguir, iem se culpava de venial descuido, quando no ir querer preencher-lhe a ficha.
- "Você se espanta?" - esquivei-me. De fato, o homem exagerara somente uma teoria antiga: a do professor Dartanhã, que, mesmo a nós, seus alunos, declarava-nos em quarenta-por-cento casos típicos, larvados; e, ainda, dos restantes, outra boa parte, apenas de mais puxado diagnóstico... Mas o Adalgiso, mas ao meu estarrecido ouvido: - "Sabe quem é? Deu nome e cargo. Sandoval o reconheceu. É Q secretário das Finanças Públicas.. ." - assim baixinho, e choco, o Adalgiso.
Ao que, quase de propósito, a turba calou-se e enervou-nos, à estupefatura. Desolávamo-nos de mais acima olhar, aonde evidentemente o céu era um desprezo de alto, o azul antepassado. De qualquer modo, porém, o homem, aquém, em torre de marfim, entre as verdes, hirtas palmas, e ao cabo de sua diligência de veloz como um foguete, realizava-se, comensurado com o absurdo. Sei-me atreito a vertigens. E quem não, então, sob e perante aquilo, para nós um deus-nos-sacuda, de arrepiar perucas, semelhante e rigorosa coisa? Mas um super-humano ato pessoal, transe hiperbólico, incidente hercúleo. - "Sandoval vai chamar o dr. diretor, a polícia, o palácio de governo..." - assegurou o Adalgiso.
Uma palmeira não é uma mangueira, em sua frondosura, sequer uma aroeira, quanto a condições de fixibilidade e conforto, acontece-que. Que modo e como, então, agüentava de reter-se tanto ali, estadista ou não, são ou doente? Ele lá não estava desequilibrado; ao contrário. O repimpado, no apogeu, e rematado velhaco, além de dar em doido, sem fazer por quando. A única coisa que fazia era sombra. Pois, no justo momento, gritou, introduziu-se a delirar, ele mais em si, satisfatível: - "Eu nunca me entendi por gente! .. .' - de nós desdenhava. Pausou e repetiu. Daí e mais: - "Vocês me sabem é de mentira!" Respondendo-me? Riu, ri, riu-se, rimo-nos. O povo ria.
Adalgiso, não: - "Ia adivinhar? Não entendo de política" - inconcluía. - "Excitação maníaca, estado demencial. .. Mania aguda, delirante... E o contraste não é tudo, para se acertarem os sintomas?" - ele, contra si consigo, opunha. Psiu, porém, quem, assado e assim, a mundos e resmungos, sua total presença anunciava? Vê-se que o dr. diretor: que, chegando, sobrechegado. Para arredar caminho, por império, os da policia - tiras, beleguins, guardas, delegado, comissário - para prevenir desordem.
Também, cândidos, com o dr. diretor, os enfermeiros, padioleiros, Sandoval, o capelão, o dr. Enéias e o dr. Bilolo. Traziam a camisa-de-força. Fitava-se o nosso homem empalmeirado. E o dr. diretor, dono: -"Há de ser nada!"
Contestando-O, diametral, o professor Dartanhã, de contrária banda aportado: - "Psicose paranóide hebefrênica, dementia praecox, se vejo claro!" - e não só especulativo-teorético, mas por picuinha, tanto o outro e ele se ojerizavam; além de que rivais, coincidentemente, se bem que calvo e não calvo. Toante que o dr. diretor ripostou, incientífico, em atitude de autoridade: - "Sabe quem aquele cavalheiro é?" - e o título declinou, voz vedada; ouvindo-o, do povo, mesmo assim, alguns, os adjacentes sagazes. Emendou o mote o professor Dartanhã:
mas transitória perturbação, a qual, a capacidade civil, em nada lhe deixará afetada.. ." versando o de intoxicação-ou-infecção, a ponto falara. Mesmo um sábio se engana quanto ao em que crê; - cremos, nós outros, que nossos límpidos óculos limpávamos. Assim cada qual um asno prepalatino, ou, melhor, apud o vulgo: pessoa bestificada. E, pois que há razões e rasões, os padioleiros não depunham no chão a padiola.
Porque, o nosso, o excelso homem, regritou: - "Viver é impossível! . .." - um slogan; e, sempre que ele se p?ometía para falar, conseguia-se, cá, o multitudinal silêncio - das pessoas de milhares. Nem esquecera-lhe o elémento mímico: fez gesto - de que empunhasse um guarda-chuva. Ameaçava o que a quem, com seu estrocatastrófico?
- "Viver é impossível!" - o dito declarado assim, tão empírico e anermenêuticO, só através do egoísmo da lógica. Mas, menos como um galhofeiro estapafúrdio, ou alucinado burlão, pendo a ouvir, antes em leal tom e generoso. E era um revelar em favor de todos, instruía-nos de verdadeira verdade. A nós - substantes seres subaéreos - de cujo meio ele a si mesmo se raptara. Fato, fato, a vida se dizia, em si, impossível. Já assim me pareceu. Então, ingente, universalmente, era preciso, sem cessar, um milagre; que é o que sempre há, a fundo, de fato. De mim, não pude negar-lhe, incerta, a simpatia intelectual, a ele, abstrato - vitorioso ao anular-se chegado ao pincaro de um axioma.
Sete perítos, oficiais pares de olhos, do espaço inferior o estudavam. - "Que ver: que fazer?" - agora. Pois o dr. diretor comandava-nos em conselho, aqui, onde, prestimosa para nós, dilatava a polícia, a proêmíos de casse-têtes e blasfemos rogos, uma clareira precária. Para embaraços nossos, entretanto, portava-se árduo o ilustre homem, que ora encarnava a alma de tudo: inacessível. E - portanto - imedicável. Havia e haja que reduzi-lo a baixar, valha que por condigno meio desguindá-lo.
Apenas, não estando à mão de colher, nem sendo de se atrair com afagos e morangos. - "Fazer o quê?" -unânimes, ora tardávamos em atinar. Com o que o dr. diretor, como quem saca e desfecha, prometeu: - "Vêm ai os bombeiros!" Ponto. Depunham os padioleiros no chão a padiola.
O que vinha, era a vaia. Que não em nós, bem felizmente, mas no nosso guardião do erário. le estava na ponta. Conforme quanto, rápida, no chacoalhar da massa, difundira-se a identificação do herói. Donde, de início, de bufos avulsos gritos, daqui, aqui, um que outro, comicamente, a atoarda pronta borbotava. E bradou aos céus, formidável, una, a versão voxpopular: - "Demagogo! Demagogo! .. ." - avessa ressonância. - "Demag000-go! .. ." - a belo e bom, safa, santos meus, que corri-maça. O ultravociferado halali, a extrair-se de imensidão: apinhada, em pé, impiedosa - aferventada ao calor do dia de março. Tenho que mesmo uns de nós, e eu, no conjunto conclamávamos. Sandoval, certo, sim; ele, na vida, pela primeira vez, ainda que em esboço, a revoltarse. Reprovando-nos o professor Dartanhã: - "Não tem um político direito às suas moléstias mentais?" - magistralmente enfadado. Tão certo que até o dr. diretor em seus créditos e respeitos vacilasse - psíquiatrista. Vendo-se, via-se que o nosso pobre homem perdia a partida, agora, desde que não conseguindo juntar o prestígio ao fastígio. Demagogo...
Conseguiu-o - de truz, tredo. Em suave e súbito, deu-se que deu que se mexera; a marombar, e por causas. Daí, deixando cair... um sapato! Perfeito, um pé de sapato - não mais - e tão condescendentemente. Mas o que era o teatral golpe, menos amedrontador que de efeito burlesco vasto. Claro que no vivo popular houve refluxos e fluxos, quando a mera peça demitiu-se de lá, vindo ao chão, e gravitacioflal se exibiu no ar. Aquele homem: -"É um gênio!" - positivou o dr. Bilolo. Porque o povo o sentia e aplaudia, danado de redobrado: - "Viva! Viva! .. ." - vibraram, reviraram. - "Um gênio!" - notando-se, elegiam-no, ofertavam-lhe oceânicas palmas. Por São Simeão! E sem dúvida o era, personagente, em sua sícofância, conforme confere e confirmava: com extraordinária acuidade de percepção e alto senso de oportunidade.
Porque houve também o outro pé, que nao menos se desabou, após pausa. Só que, para variar, este, reto, presto, se riscou - não parabolava. Eram uns sapatos amarelados.
O nosso homem, em festival - autor, alcandorado, alvo: desta e elétrica aclamação, adequada.
Estragou-a a sirena dos bombeiros: que eis que vencendo a custo o acesso e despontafldo, com esses tmtinabulos sons e estardalho. E ancoravam, isto é - rubro de lagosta ou arrebol - cujo carro. Para eles se ampliava lugar, estricto espaço de manobra; com sua forte nota belígera, colheram sobeja sobra dos aplausos. Aí já seu comandante se entendendo com a policia e pois conosco, ora. Tinham seu segundo, comprido caminhão, que se f azia base da escada: andante apetrecho, para o empreendimento, desdobrável altaneiramente, essencial, muito máquina. Ia-se já agir. Manejando-Se marciais tempos e movimentos, à cometa e apito dados. Começou-se. Ante tanto, que diria o nosso paciente - exposto cínico insígne?
Disse. - "O feio está ficando coisa.. ." - entendendo de nossos planos, vivaldamente constatava; e nisso indocilizava-se, com mímica defensiva, arguto além de alienado.
A solução parecendo inconvir-lhe. - "Nada de cavalo-de-pau!" - vendo-se que de fresco humor e troiano, suspeitoso de Palas Atenéia. E: - "Querem comer-me ainda verde?!"
- o que, por mero mimético e sintomático, apenas, não destoava nem jubilava. A arte que, mesmo escada à parte, os bons bombeiros, muito homens seriam para de assalto tomar a palmeira-real e superá-la: o uso avulso de um deles, tão bem em técnicas, sabe-se lá, quanto um antllhano ou canaca. A poder de cordas, ganchos, espeques, pedais postiços e poiais fincáveis. Houve nem mais, das grandes expectações, a conversa entrecortada. O silêncio timbrava-se.
Isto é, o homem, o prócer, protestou. - "Pára! ..
Gesticulou que ia protestar mais. - "Só morto me arriam. me apeiam!" - e não à toa, augural, tinha ele o verbo bem adestrado. Hesitou-se, de cá para cá, hesitávamos.
- "Se vierem, me vou, eu... Eu me vomito daqui! .. - pronunciou. Declamara em demorado, quase quite eufórico, enquanto que nas viçosas palmas se retouçando, desvárias vezes a menear-se, oscilante por um fio. A coaxa acrescentou: - "Cão que ladra, não é mudo.. ." - e já que só faltava mesmo o triz, para passar-se do aviso àlástima. Parecia prender-se apenas pelos joelhos, a qualquer simples e insuportável finura: sua palma, sua alma. Ah... e quase, quasinho... quasezínho, quase... Era de horrir-me o pêlo. Nanja. - "É de circo.. ." - alguém sussussumrou-me, o dr. Enéia ou Sandoval. O homem tudo podia, a gente sem certeza disso. Seja se com simulagens e fictâncias? Seja se capaz de elidir-se, largar-se e se levar do diabo. No finório, descabelado propósito, pempendurou-se um pouco mais, resoluto rematado. A morte tocando, paralela conosco - seu tênue tambor taquigráfico.
Deu-nos a tensão pânica: gelou-se-me. Já aí, ferozes, em favor do homem: - "Não! Não" - a gritamulta -"Não! Não! Não!" - tumultroada. A praça reclamava, clamava.
Tinha-se de protelar. Ou produzir um suicídio reflexivo - e o desmoronamento do problema? O dr. diretor citava Empédocles. Foi o em que os chefes terrestres concordaram: apertava a urgência de não se fazer nada. Das operações de salvamento, interrompeu-se o primeiro ensaio. O homem parara de balançar-se - irrealmente na ponta da situação. Ele dependia dele, ele, dele, ele, sujeito. Ou de outro qualquer evento, o qual, imediatamente, e muito aliás, seguiu-se.
De um - dois. Despontando, com o chefe de polícia, o chefe de gabinete do secretário. Passou-se-lhe um binóculo e ele enfiava olho, palmeira-real avante-acima, detendo-se, no titular. Para com respeito humano renegá-lo: - "Não o estou bem reconhecendo.. ." Entre, porém, o que com mais decoro lhe conviesse, optava pela solicitude, pálido.
Tomava o ar um ar de antecâmara, tudo ali aumentava de grave. A família já fora avisada? Não, e melhor, nada: familia vexa e vencilha. Querendo-se conquanto as verticais providências, o que ficava por nossa má-arte. Tinha-se de parlamentar com o demente, em não havendo outro meio nem termo. Falar para fazer momento; era o caso. E, em menos desniveladas relações, como entrosar-se, físico, o diálogo?
Se era preciso um palanque? - disse-se. Com que, então sem mais, já aparecia - o cônico cartucho ou cumbuca - um alto-falante dos bombeiros. O dr. diretor ia razoar a causa: penetrar em o labirinto de um espírito, e - a marretadas do intelecto - baqueá-lo, com doutorldade. Toques, crebros, curtos, de sirena, o incerto silêncio geraram. O dr. diretor, mestre do urso e da dança, empunhava o preto comnetão, embocava-o. Visava-o para o alto, clrcense, e nele trombeteimo soprava. - "Excelência! .. ." - começou, sutil, persuasivo; mal. - "Excelência.. ." - e tenha-se, mesmo, que com tresincondigna mesura. Sua calva foi que se luziu, de metalóide ou metal; o dr. diretor gordo e baixo. Infundado, o povo o apupou:
- "Vergonha, velho!" - e - "Larga, larga! .. ." Deste modo, só estorva, a leiga opinião, quaisquer clérigas ardilidades. Todo abdicativo, o dr. diretor, perdido o comando do tom, cuspiu e se enxaguava de suor, soltado da boca o instrumento. Mas não passou o megafone ao professor Dartanhã, o que claro. Nem a Sandoval, prestante, nem ao Adalgiso, a cujos lábios. Nem ao dr. Bilolo, que o querendo, nem ao dr. Enéias1 sem voz usual. A quem, então pois?
A mim, mi, me, se vos parece; mas só enfim. Temi quando obedeci, e muito siso havia mister. Já o dr. diretor me ditava:
- "Amigo, vamos fazer-lhe um favor, queremos cordialmente ajudá-lo.. ." - produzi, pelo conduto; e houve eco. - "Favor? De baixo para cima? . . ." - veio a resposta, assaz sónora. Estava ele em fase de aguda agulha. Havia que o questionar. E, a novo mando do dr. diretor, chamei-o, minha boca, com intimativa: - "Psiu! Ei! Escute!
Olhe! .. ." - altiloqüei. - "Vou falir de bens?" - ele altitonava. Deixava que eu prosseguisse; a sua devendo de ser uma compreensão entediada. Se lhe de deveres e afetos falei! - "O amor é uma estupefação.. ." - respondeu-me. (Aplausos.) Para tanto tinha poder: de fazer, vezes, um oah-oa-oah! - mão na boca - cavernoso.
Intimou ainda: - "Tenha-se paciência! .. ." E: - "Hem? Quem? Hem?" - fez, pessoalmente, o dr. diretor, que o aparelho, sôfrego, me arrebatara. - "Você, eu, e os neutros.. ." - retrucou o homem; naquele elevado incongruir, sua imaginação não se entorpecia. De nada, esse ineficaz paralàparacàparlar, razões de quiquiriqui,
a boa nossa verbosia; a não ser a atiçar-lhe mais a mioleira, para uma verve endiabrada. Desistiu-se, vem que bem ou mal, do que era querer-se amimar a murros um porco-espinho. Do qual, de tão de cima, ainda se ouviu, a final, pérfida pergunta: - "Foram às últimas hipóteses?"
Não. Restava o que 'se ínesperava, dando-se como sucesso de ipso-facto. Chegava... O quê? O que crer? O próprio! O vero e são, existente, secretário das Finanças Públicas - ipso. Posto que bem de terra surgía, e desembarafustadamente. Opresso. Opaco. Abraçava-nos, a cada um de nós se dava, e aliás o adulávamos, reconhecentemente, como ao pródigo o pai ou o cão a Ulisses. Quis falar, voz inarmônica; apontou causas; temia um sósia? Subiam-no ao carro dos bombeiros, e, aprumado, primeiro perfez um giro sobre si, em tablado, completo, adequando-se à expositura. O público lhe devia. - "Concidadãos!"- ponta dos pés. - "Eu estou aqui, vós me vedes. Eu não sou aquele! Suspeito exploração, calunia, embuste, de inimigos e adversários.. ." De rouco, à força, calou-se, não se sabe se mais com bens ou que males. O outro, já agora ex-pseudo, destituído, escutou-o com ociosidade. De seu conquistado poleiro, não parava de dizer que sim acenado.
Era meio-dia em mármore. Em que curiosamente não se tinha fome nem sede, de mais coisas qual que me lembrava. Súbita voz: - "Vi a Quimera!" - bradou o homem, importuno, impolido; irara-se. E quem e que era? Por ora, agora, ninguém, nulo, joão, nada, sacripante, qüídam. Desconsiderando a moral elementar, como a conceito relativo: o que provou, por sinais muito claros. Desadorava. Todavia, ao jeito jocoso, fazia-se de castelo-noar. Ou era pelo épico epidérmico? Mostrou - o que havia entre a pele e a camisa.
Pois, de repente, sem espera, enquanto o outro perorava, ele se despia. Deu-se à luz, o fato sendo, pingo por pingo. Sobre nós, sucessivos, esvoaçantes - paletó, cueca, calças - tudo a bandeiras despregadas. Retombandolhe a camisa, por fim, panda, aérea, aeriforme, alva. E feito o forró! - foi - balbúrdias. Na multidão havia mulheres, velhas, moças, gritos, mouxe-trouxe, e trouxe-mouxe, desmaios. Era, no levantar os olhos, e o desrespeitável público assistia - a ele in puris naturallbus.
De quase alvura enxuta de aipim, na verde coma e fronde da palmeira, um lídimo desenroupado. Sabia que estava a transparecer, apalpava seus membros corporais. - "O síndrome.. ." - o Adalgiso observou; de novo nos confusion4vamos. - "Sindrome exofrênico de Bleuler.. ." - pausado, exarou o Adalgisó. Simplificava-sê o' homem em escândalo e emblema, e franciscano magnifícío, à força de sumo contraste. Mas se repousava,, já de humor benigno, em condições de primitividade.
Com o que - e tanta folia - em meio ao acrisolado calor, suavam e zangavam-se as autoridades. Não se podendo com o desordeiro, tão subversor e anônimo? Que havia que iterar, decidiram, confabulados: arcar com os cornos do caso. Tudo se pôs em movimento, troada a ordem outra vez, breve e bélica, à fanfarra - para o cometimento dos bombeiros. Nosso rancho e adro, agora de uma largura, rodeada de cordas e polícias; já ali se mexendo os jornalistas, repórteres e fotógrafos, um punhado; e filmavam.
O homem, porém, atento, além de persistir em seus altos inténtos, guisava-se também em trabalho muito ativo. Contara, decerto, com isso, de maquinar-se-lhe outra esparrela. Tomou cautela. Contra-atacava. Atirou-se acima, mal e mais arriba, desde que tendd início o salvatério: contra a vontade, não o salvavam! Até; se até.
A erguer-se das palmas movediças, até o sumo vértice; ia já atingir o espique, ver e ver que com grande risco de precipitar-se. O exato era ter de falhar - com uma evidência de cachoeira. - "É hora!" - foi nossa interjeição golpeada; que, agora, o que se sentia é que era o contrário do sono. Irrespirava-se. Naquela porção de
silêncios, avançavam os bombeiros, bravos? Solerte, o homem, ão último ponto, sacudiu-se, se balançava, eis: misantropóide gracioso, em artificioso equilíbrio, mas em seu eixo extraordinário. Disparatou mais: - "Minha natureza não pode dar saltos?..." - e, à pompa, ele primava.
Tanto é certo que também divertia-nos. Como se ainda carecendo de patentear otimismo, mostrava-nos insuspeitado estilo. Dandinava. Recomplicou-se, piorou, a pausa.
Sua queda e morte, incertas, sobre nós pairando, altanadas. Mas, nem caindo e morrendo, dele ninguém nada entenderia. Estacavam, os bombeiros. Os bombeiros recuavam.
E a alta escada desandou, desarquitetou-se, encaixava-se. Derrotadas as autoridades, de novo, diligentes, a repartir-se entre cuidados. Descobri, o que nos faltava.
Ali, uma forte banda-de-música, briosa, à dobrada. Do alto daquela palmeira, um ser, só, nos contemplava.
Dizendo sorrindo o capelão: - "Endemoninhado.. Endemoninhados, sim, os estudantes, legião, que do sul da praça arrancavam? - de onde se haviam concentrado. Dado que roda-viveu um rebuliço, de estrépito, de assaltada.
Em torrente, agora, empurravam passagem. Ideavam ser o homem um dos seus, errado ou certo, pelo que juravam resgatá-lo. Era um custo, a duro, contê-los, à estudantada.
Traziam invisa bandeira, além de fervor hereditário. Embestavam. Entrariam em ato os cavalarianos, esquadrões rompentes, para a luta com o nobre e jovem povo. Carregavam?
Pois, depois. Maior a atrapalhação. Tudo tentava evoluir, em tempo mais vertiginoso e revelado. Virou a ser que se pediam reforços, com vistas a pôr-se a praça esvaziada; o que vinha a ponto: Porém, também entoavam-se inacionais hinos, contagiando a multaturba. E paz?
De ás e roque e rei, atendeu a isso, trepado no carro dos bombeiros, o secretário da Segurança e Justiça. Canoro, grosso, não gracejou: - "Rapazes! Sei que gostam de me ouvir. Prometo, tudo.. ." - e verdade. Do que, aplaudiram-no, em sarabando, de seus antecedentes se fiavam. Deu-se logo uma remissão, e alguma calma. Na confusão, pelo sim pelo não, escapou-se, aí, o das-Finanças-Públicas secretário. Em fato, meio quebrado de emoções, ia-se para a vida privada.
Outra coisa nenhuma aconteceu. O homem, entre o que, entreaparecendo, se ajeitara, em berço, em seus palmares. Dormindo ou afrouxando de se segurar, se ele de& se de torpefazer-se, e enfim, à espatifação, malhar abaixo? De como podendo manter-se rijo incontável tempo assim, aos círcunstantes o professor Dartanhã explicava.
Abusava de nossa paciência - um catatónico-hebefrênico - em estereotipia de atitude. - "A frechadas logo o depunham, entre os parecis e nhambiquaras.. ." - inteirou o dr. Bilolo; contente de que a civilização prospere a solidariedade humana. Porque, sinceros, sensatos, por essa altura, também o dr. diretor e o professor Dartanhã congraçavam-se.
Sugeriu-se nova expediência, da velha necessidade. Se, por treslouco, não condescendesse, a apelo de algum argumento próximo e discreto? Ele não ia ressabiar; conforme concordou, consultado. E a ação armou-se e abu-se: a escada exploradora - que nem que canguru, um, ou louva-a-deus enorme vermelho - se desdobrou, em engenhingonça, até a mais de meio caminho no vácuo. Subia-a o dr. diretor, impertérrito ousadamente, ele que naturalizava-se heróico. Após, subia eu descendo, feito Dante atrás de Virgilio. Ajudavam-nos os bombeiros. Ao outro, lá, no galarim, dirigiamo-nos, sem a própria orientação no espaço. A de nós ainda muitos metros, atendia-nos, e ao nosso latim perdido. Por que, brusco, então, bradou por: - "Socorro! .. ." -Tão então outro tresbulício - e o mundo inferior estalava. Em fúria, arruaça e frenesis, ali a população, que, a insanar-se e insanir-se, comandandoa seus mil motivos, numa alucinação de manicomiáveis. Depreque-se! - não fossem derrubar caminhão e escada. E tudo por causa do sobredito-cujo: como se tivesse ele instilado veneno nos reservatórios da cidade.
Reaparecendo o humano e estranho. O homem. Vejo que ele se vê, tive de notá-lo. E algo de terrível de repente se passava. Ele queria falar, mas a voz esmorecida; e embrulhou-se-lhe a fala. Estava em equilíbrio de razão: isto é, lúcido, nu, pendurado. Pior que lúcido, relucidado; com a cabeça comportada. Acordava! Seu acesso, pois, tivera termo, e, da idéia delirante, via-se dessonambulizado. Desintuído, desinfluído - se não se quando - soprado. Em doente consciência, apenas, detumescera-se, recuando ao real e autônomo, a seu mau pedaço de espaço e tempo, ao sem-fim do comedido. Aquele pobre homem escoroçoava. E tinha medo e tinha horror - de tão novamente humano. Teria o susto remíniscente - do que, recém, até ali, pudera fazer, com perigo e preço, 'em descompasso, sua inteligência em calmaria. Sendo agora para despenharse, de um momento para nenhum outro. Tremi, eu, comiserável. Vertia-se, cala? Tiritávamos. E era o impasse da mágica. É que ele estava em si; e pensava. Penava - de vexame e acrofobia. Lá, ínfima, louca, em mar,. a multidão: infernal, ululava.
Daí, como sair-se, do lance, desmanchado o firme burgo? Entendi-o. Não tinha rosto com que aparecer, nem roupas - buf ão, truão, tranca - para enfrentar as razões finais. Ele hesitava, electrochocado. Preferiria, então, não salvar-se? Ao drama no catafalco, emborcava-se a taça da altura. Um homem é, antes de tudo, irreversível.
Todo pontilhado na esfera de dúvida, propunha-se em outra e imensurável distância, de milhões' e trilhões de paimeiras. Desprojetava-se, coitado, e tentava agarrar-se, inapto, à razão absoluta? Adivinhava isso o desvairar da multidão espaventosa - enlouquecida. Contra ele, que, de algum modo, de alguma maravilhosa continuação, de repente nos frustrava. Portanto, embaixo, alto bramiam. Feros, ferozes. Ele estava são. Vesânicos, queriam linchá-lo.
Aquele homem apiedava diferentemente - de fora da província humana. A precisão de viver vencia-o. Agora, de gambá 'num atordoamento, requeria nossa ajuda. Em fãcilpressa atuavam os bombeiros, atirandose a reaparecê-bo e retrazê-bo - restidigitavam-no. Rebaixavam-no, com tábuas, cordas e peças, e, com seus outros meios apocatastãticos.
Mas estava salvo. Já, pois. Isto e assim. Iria o povo destrui-lo?
Ainda não concluíndo. Antes, ainda na escada, no descendimento, ele mirou, melhor, a multidão, deogenésica, diogenista. Vindo o que, de qual cabeça, o caso que já não se esperava. Deu-nos outra cor. Pois, tornavam a endoidá-bo? Apenas proclamou: - "Viva a luta! Viva a liberdade!" - nu, adão, nado, psiquiartista. Frenéticos, o ovacionaram, às dezenas de milhares se abalavam. Acenou, e chegou embaixo, incólume. Apanhou então a alma' de entre os pés, botou-se outro. Aprumou o corpo, desnudo, definitivo.
Fez-se o monumental desfecho. Pegaram-no, a ombros, em esplêndido, levaram-no carregado. Sorria, e, decerto, alguma coisa ou nenhuma proferia. Ninguém poderia deter ninguém, naquela desordem do povo pelo povo. Tudo se desmanchou em andamento, espraiandose para trivialídades. Vivera-se o dia. Só restava imudada, irreal, a palmeira.
Concluíndo. Dando-se que, em pós, desafogueados, trocavam-se pelos paletós os aventais. Modulavam drásticas futuras providências, com o professor Dartanhã, ex-professo, o dr. diretor e o dr. Enéias - alienistas. -"Vejo que ainda não vi bem o que vi..." referia Sandoval, cheio de cepticismo histórico. - "A vida é constante, progressivo desconhecimento.. ." - definiu o dr. Bibobo, sério, entendo que, pela primeira vez. Pondo o chapéu, elegantemente, já que de nada se sentia seguro. A vida era à hora.
Apenas nada disse ó Adalgiso, que, sem aparente algum motivo, agora e sempre súbito assustava-nos. Ajuizado, correto, circunspecto demais: e terrível, ele, não em si, insatisfatório. Visto que, no sonho geral, permanecera insolúvel. Dava-me um frio animal, retrospectado. Disse nada. Ou talvez disse, na pauta, e eis tudo. E foi para a cidade, comer camarões.

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