terça-feira, abril 27, 2004

Brasileiro, nascido em 1969, filho e neto de militares e comerciantes, estudei a vida inteira em colégios católicos. Perdoem se em algum momento não demonstrar uma linguagem ou pensamento amadurecidos, em termos de transformação social.

A mim me parece que a verdadeira possibilidade revolucionária na estrutura da rede substituviva de serviços de saúde mental, está nas associações, cooperativas, núcleos da luta antimanicomial. Daí poderíamos avistar no horizonte das utopias, uma mudança autêntica dos padrões até então adotados pela sociedade, em relação à atenção psicosocial.

Dia desses ouvi, que o comunismo nunca funcionou porque os proletários, no fundo, querem ser burgueses e não que desapareça a miséria. Então poderíamos dizer, que o sonho dos loucos é ser normais, e não que a loucura desapareça. É o individualismo sobrepujando o coletivo, como sempre. Se pelo menos eu deixar de ser pobre, ou louco, que se danem os outros. É por isso também que as lutas que conseguem mobilizar os usuários também são assistencialistas: o passe, a comida e o “de volta pra casa”. Aí começa a ficar interessante ser usuário. Na medida em que penso: sou louco, mas: como de graça todo dia, tenho minhas passagens de ônibus garantidas, passo o dia lá, faço umas oficinas de artesanato, vejo televisão, bato papo com outros companheiros usuáiros, fumo um cigarrinho, não incomodo minha família e volto pra casa a noite. E tudo permanece como está.

A participação dos usuários em associações estruturadas, exige um certo desejo de encontrar saídas que possam ser compartilhadas com o grupo. Exige barriga cheia, alguma leitura e muita discussão. Porque não nos aproximamos de movimentos sociais bem sucedidos, com o: dos sem-terra, dos sem-teto, dos companheiros do DST/AIDS? Será que nossa desorganização, nossa não mobilização é somente causada por nosso desinteresse? Quem lucra se permancer tudo como está? Estamos inseridos num contexto maior, que nos engole sem que percebamos. Foram 20 anos de ditadura, 150 anos de hospícios e 500 anos de exploração do homem pelo homem.

A verdadeira revolução estaria em lutar pela extinção da loucura, doença social que arranca a cidadania das pessoas desequilibradas mentalmente. Ou todo mundo é louco, ou ninguém é. Esse deveria ser nosso verdadeiro lema. Não apenas lutar contra as instituições, que são o reflexo desse pensamento. O combate à praga do pensamento manicomial, que ainda governa muito da nossa tímida reforma psiquiátrica e dos atores nela envolvidos.

E porque a associação é a geradora desta luz? Porque seria uma verdadeira possibilidade de discutir e executar, via geração de renda, uma nova postura entre usuários. Já que mal conseguimos avistar uma autêntica revolução, com os loucos tomando o poder nos hospícios, CAPS, quartéis, igrejas e bancos, que pelo menos haja um amadurecimento político entre nós, a ponto de conseguirmos criar conselhos gestores em cada unidade de atenção psicosocial deste país.

Muito longe de estar livre destes problemas, estou pra lá de mergulhado no desejo de: deixar de ser usuário, ter minha casinha com meu amor, ser normal, ter salário bom, pagar imposto alto sem retorno social, viajar nas férias, ter um filhinho, votar nas eleições e esquecer em quem votei, assistir TV a cabo, comer do bom e do melhor e nunca mais ter que voltar lá no CAPS e na Associação dos Usuários. Esquecer dessa luta inglória em que só se fala e pouco se faz. Inclusive eu. Afinal, tenho lá minha mesada que papai me dá e pego meu remédio no SUS, de graça. Prá que vou me incomodar, né? Pra depois ser taxado de aproveitador, de deitado, de burguês querendo ir pro céu porque ajuda os necessitados, de riquinho metido a besta? Afinal, o CAPS, o SUS, tudo o que vem do governo, só deve ser para os pobres. E com esse tipo de pensamento, continuamos perpetuando o fosso que hoje nos separa e nos leva para os abismos: da indiferença, do tráfico, do sequestro e dos manicômios.

Não existe moral da história. Estamos em construção permanente. Eu estou, no momento, de saco cheio. E haja carbo lítio pra segurar a onda. Não queria ser só mais um dente na engrenagem. Queria ser feliz logo. Queria ver as coisas acontecendo e ser, eu mesmo, um feliz exemplo da volta por cima. Mas não sei bem se estou adiante do meu tempo ou se sou só mais um tolo inocente, que acredita na humanidade e nas mudanças. Que deus tenha piedade de nós. E que ele permaneça sendo: avaiano, flamenguista e brasileiro.


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