terça-feira, abril 06, 2004

Carta a uma estudante de psicologia


Essa dor que todos nós sentimos é a dor de estarmos vivos. A dor que começa ao sairmos do útero de nossas mães vai se repetindo: a cada novo encontro, cada olhar inesperado, cada grito, cada descoberta e cada quarta-feira.
Nisso somos iguais.
O que fazemos desse sentimento é que pode nos fazer mais o menos funcionais, diante do mundo e das pessoas.
O que o fenômeno da loucura pode trazer de contribuição é ampliar imensamente a variedade de formas dessa interação acontecer. Aí está sua maior riqueza e seu mais violento choque com a civilização e a sociedade. A maneira dos homens lidarem com o diferente através dos séculos e culturas tem sido sempre, também, multifacetado. Já fomos: queimados, colocados em calabouços, tratados como emissários dos deuses, internados, admirados, desprezados, amados, eletrocutados, medicados, mas nunca conseguiram fazer com que desaparecêssemos.
É preciso, entretanto, para mergulhar nesse oceano de emoções e atos chamados delirantes, abandonar uns poucos medos, e, principalmente, o desejo de: julgar, avaliar, classificar e excluir (a si mesmo e aos outros).
É preciso amolecer a dureza dos calos deixados pelas grandes estruturas: da escola, da família, da igreja, do partido, da fábrica, para gradualmente dar a chance de conhecer melhor essa experiência tão desestruturante chamada: surto psicótico, alucinação ou sofrimento psíquico.
Desta forma estaremos trocando experiências, de coração para coração e cresceremos juntos nessa grande aventura que é viver.
E que neste instante, haja um brilho na consciência para nos fazer subir mais um degrau. Assim avistaremos mais longe a linha do horizonte. Para que a distância, mesmo infinita e impossível, não nos afaste do desejo de aceitar o outro, seja ele “louco” ou não. Sabendo que seremos sempre muito maiores que qualquer definição. Qualquer título ou diagnóstico.
Somente de mãos dadas somos possíveis.
Saber disso sempre aquecerá nossos corações.
Bem-vinda sempre


Nilo Marques de Medeiros Neto

Desterro, 14 de Julho de 2002

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